Nem o Pai...

Não me lembro se o dia já se fazia claro, ou ainda era manhã escura.

O que lembro é que meu pai me chamava para ir à praia com ele pescar.

Levantei-me do colchão duro que só o meu. Cobertor mais gasto ainda, mas o gosto pela pesca me fez abrir bem os olhos depois de lavá-los na torneira da pia da cozinha.

Ainda não tínhamos banheiro. Era ainda a casa velha: verde de janelas e portas alaranjadas.

Meu pai já havia pego a tarrafa e o samburá com o saco de linhagem deixou que eu carregasse.

Recordo agora... Era manhã escura ainda. Alua cheia brilhava no céu e a coruja não parava de piar.

Eu era menino ainda e tinha muito que aprender da vida. Medo eu ainda tinha.

Mas confiava no homem feito e forte que ali estava comigo: meu pai.

Tinha muito que aprender com ele.

O barulho do mar se ouvia lá do terreiro de casa, mas a praia não se via ainda.

Como tinha que se caminhar!

Sempre que queria pescar, meu pai me levava com ele. Era pra mim a coisa mais normal.

Mas naquela noite, a ida até a praia não estava sendo tão fácil assim. Senti uma dor no peito. Essas coisas que ninguém explica.

Depois de muito caminhar, o barulho e o cheiro de mar estavam mais perto e a praia já nos fazia reverência com suas ondas quando meu pai comigo chegou lá.

Meu pai sempre me deixava na areia esperando.

Ele arrumava a tarrafa na boca, jogava na água salgada...

Ás vezes vinha peixe, outras vezes vinha um siri... Mas na maioria das vezes não vinha nada.

Quando puxava a tarrafa, meu pai vinha até a areia deixar o que pescava para que eu colocasse no samburá e voltava correndo pro mar.

Era sempre assim...

Quase que uma coreografia embalada pelo som da quebra das ondas na areia da praia.

Meu pai queria que eu aprendesse a pescar bem como ele, para não deixar meus filhos passarem fome quando eu os tiver.

Então, eu ficava olhando todos os lanços de tarrafa de meu pai.

Foi quando eu vi o que não consigo esquecer até hoje.

Meu pai ajeitou a tarrafa na boca.

Esperou o momento certo e jogou a tarrafa no mar.

Não sei como... O cordão da tarrafa enrolou no pulso do meu pai e o puxou pra dentro da maré cheia como a lua.

Arregalados ficaram meus olhos.

Tremendo ficaram minhas pernas.

Meu peito quase arrebentou.

Eu não consegui gritar um “ai” que fosse.

Não consegui ver nada na minha frente, além da imensidão daquele mar assassino.

Queria ter a chance de guardar um pedaço que seja daquela tarrafa como lembrança.

Mas a tarrafa não veio.

Queria que meu pai saísse molhado de lá.

Mas de volta nada veio.

Não veio tarrafa.

O mar serenou.

Levou o meu pai.

JOEL VIGANO

Enviado por JOEL VIGANO em 24/05/2009

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