=//= A Saga do Romeu Sertanejo =//=

A Saga do nosso Romeu começou em Patos, na região da Grande Cacimba de Areia/Santa Terezinha, na Paraíba.

Naquela manhã em uma sala de aula improvisada naquela humilde casinha.

Até emocionada está a professorinha e romântica Isaurinha. É sua primeira aula.

Seus alunos, três meninas, as gêmeas Diva e Vida e Severina e dois meninos, o Erivanilsn Jr. e o Romeu Silva.

Depois das aulas introdutórias de Português e Matemática, o recreio. Onde comem cada um, um pedaço grande de queijo de cabra e um copo de leite, também de cabra.

Dividem o pátio com alguns caprinos. Umas oito cabras, uma cabritinhas e um bode velho fedorento reprodutor. Cada um com um sincerro no pescoço, para ficar mais fácil de serem encontrados caso se percam na caatinga da região. Se alimentam com folhas de palma picadas num grande cocho pelo Sr. Adamastor, dono delas, da pequena gleba de terra, da casa onde está improvisada a escola, marido da Maria Quitéria, e pai da Isaurinha.

Que após uns quinze minutos, bate palmas à porta da casa e chama: - Crianças, entrem! Vamos continuar!

Depois de todos entrados e sentados, ela pede silêncio por favor e espera eles terminarem uns exercícios de cerquinhas, risquinhos imitando pauzinhos. Dai fala:

- Agora guardem o matérial e prestem atenção que vou começar a contar uma histórinha bem legal para vocês. Atenção que pode cair na prova!

Ante dez olhinhos remelentos e cinco narizes escorrendo, atentos, ela começou:

- Era uma vez em Verona, uma cidade na Itália onde tudo aconteceu. Foi lá que Romeu e Julieta...

- Eu, professora? O que foi que eu fiz?

- Nada, querido! É um outro Romeu!

- Ah bom! Tem outro é?

- Tem, Romeu. Não só outros como muitos.

E continuou....

As histórias que ela contaria sempre em capítulos, seria uma forma de despertar a curiosidade das crianças e para que elss voltassem no dia seguinte para a continuação.

Fim do primeiro dia de aula.

No dia seguinte a crianças todas lá. Não demorou para uma das crianças perguntar:

- Fessora! A senhora vai contar historinha?

- Vou! Mas só depois que vocês fizerem direitinho os exercício das cerquinhas com os pauzinhos inclinados para a direita. Depois em pé e por fim , esquerda. Isso vai desenferrujar as mãozinhas de vocês ainda não acostumadas com os lápis.

-Ebaaaaa! - gritaram todos.

E assim os dias foram passando. As aulas produtivas, bem aproveitadas. E a cereja do bolo, a contação e embromação da profe Isaurinha que se esmerava nos detalhes da história para manter suas cinco pestinhas motivadas e interessadas na escola. Seu Romeu e a sua Julieta já estavam quase nascendo na versão dela, e as famílias de ambos ainda eram amigas e se frequentam nas macarronadas dominicais lá em Verona.

O Romeuzinho Sertanejo ouvia tudo embevecido e ate trazia uma Julieta imaginária para o seu universo terra-seca.

A professora Isaurinha não calculava, não tinha nem nocão do impacto que estava causando na vida e no coração do Romeuzinho.

Vou fazer aqui um pequeno detalhamento do tal Romeu:

No registro de nascimento dizia ter oito anos. Mas parece que o pai, alegando falta de tempo para ir até a cidade não o registrou antes. Mentira! Dizem que quando ele nasceu, berrando feito o Cão com dor de dente, ainda nas mãos da parteira que tentava se desvencilhar dele, o pai também assustado perguntou:

- O que é, Comadre Erivan?

- Óia, compadre, sei não! Espere uns seis meses, se não miar nem latir, pode até ser gente!

Contrariando todas as expectativas e torcida ele foi crescendo. Quando o pai o via acordado no berço, os olhos esbugalhados olhando pra ele feito o Boneco Chuck, não passava nem da porta do quartoo. E sempre tinha por perto, ao alcance das mãos um porrete, uma réstia de alho e uma Bíblia. A mãe coitada, conformada, cuidava do monstrinho. Fazer o que, dizia ela, quem mandou fazer? Agora cuide! Quem pariu Romeu que o embale!

Agora já na escola, pense num moleque feio! O dobro, no mínimo, que você pensou.

Cabeçudo, orelhudo, joelhos enormes, braços logos, finos, cotovelos pontudos, e para carregar isso tudo, duas perninhas, só não mais finas que os cambitos dos cabritos. Os pés imensos ajudam no equilíbrio do conjunto.

Três meses na escola e ele já está de saco cheio. Só continua indo por causa da Julieta, ou melhor, pela história dela.

Já se achando o sabido, pois já escreve em letra de forma seu nome inteiro, apenas invertendo, trocando ou comendo alguma letra uma vez ou outra. Burro é quem não sabe ler um R ao contrário, um M perneta, ou um I sem o pingo. E contar já sabia até dez, pra que mais? Ele pensava.

Subornou seu melhor amigo na escola, o Erivanilson, para que este fosse contando para ele, tudo que a professora ia contando da história do seu xará com essa tal Julieta que não lhe sai mais da cabeça.

O que esse abestado, esse tal de Chicoespirre tinha que ficar contando essa história por ai? Fofoqueiro dos infernos. Agora fiquei até sem meu estilingue favorito por cauda desse filho duma égua, pensou bravo.

E assim o Romeu foi o primeiro desfalque, o primeiro a bater o pé da escola da professora Isaurinha.

Alguns anos se passaram e Romeu ja nos quase 20 anos, mais grande e forte um pouquinho, mas como sempre um estrupício de feio, mais feio até que o rascunho do mapa do inferno, uma noite, apos jantar à luz de lamparinas, três conchas cheias de arroz, duas de feijão, meio quilo de farinha e cinco ovos fritos, ainda lavando a boca com café, ele falou:

- Painho, mainha, amanhã com as bença doceis, eu vou mimbora!

- Simbora pra donde, fii dideus? - disse a mãe.

- Que bestage é essa agora seu traste? - disse o pai.

- Vou sim! Aqui num fico nem um dia mais. Preciso mudá de vida, incontrá mió sorte.

Dondi vo achá minha Julieta nesse fim de mundo? Puraqui, a coisa mai perto de muié que vi foi cabritas...

Dando um soco na mesa o pai dele falou nervoso:

- Ah, eu ja sabia! Tinha que ter essa quenga, essa rapariga do demo metida na história! Mardito o dia qui dexei ocê ir pra iscola. Devia ter te tacado no eito comigo, isso sim!

Mas não teve jeito. Nem o choro lamurioso da mãe durante a noite toda, nem do pai dizendo que se saísse de casa, era para sempre, que nunca mais, nem pensasse em voltar, o removeu da ideia de ir atrás da sua Julieta.

Logo cedinho, com duas mudas de roupa além da do corpo, colocadas num saco vazio de farinha feito de mala, R$20 no bolso, meia rapadura, um saquinho com farofa de ovo, montado em seu Jegue Jumêncio, partiu em direção a um novo futuro, o nosso, agora do mundo, Romeu Silva.

O pai nem dele se despediu. Embora o Romeu fosse um pouco braço-curto para o trabalho, pois não perdia uma vaquejada pele região. lá do redil onde alimentava suas cabras, ao vê-lo irremediavelmente partir, mesmo ele sendo uma draga para comer e uma praga para trabalhar, às custas de muitas broncas, ajudava um pouco na lida por ali. E era filho. Magoado disse baixinho: - Vá, filho ingrato! Que a boa sorte te carregue!

Se era isso mesmo que ele pensava ou queria dizer nunca se soube.

A mãe fazendo jus ao "mãe é sempre mãe ", ficou chorando o tempo todo, enxugando as lagrimas e assoando o nariz num velho, desbotado, amarrotado pedaço encardido de pano feito de lenço.

Assim que o Romeu sumiu na primeira curva da estrada, ela chorando alto, entrou correndo e se jogou de bruços na cama onde chorou pelo resto do dia e a noite toda.

Ainda tendo que ouvir o ogro do marido toda hora dizendo:

- Pare de chorá, abestada! Vai desidratá desse jeito!

Romeu agora só, ao Deus dará no mundo, começou a sentir o que é bom pra tosse, o verdadeiro significado de "camelar" na vida. Vivendo de bicos, pequenos trabalhos, Um dia comendo, outro não, foi rodando o sertão. O nordeste era quintal de casa para ele. E para o Jegue Jumêncio seu fiel escudeiro.

Apesar de todas as agruras, Romeu mantinha acesa a chama, a eterna esperança, a fixação, de encontrar sua tão sonhada Julieta. Porém, se eu fosse feio feito ele, não botava nenhuma fé nisso não.

Mas como inventaram aquela frase engana/consola trouxa, de que panela nenhuma sai sem tampa da fábrica, vai saber, né? Pois como dizem, Deus faz, o vento espalha e o diabo junta.

Um dia, lá vai nosso herói, por aquela erma estradinha que liga o nada a lugar nenhum num sol de rachar mamona, cenário típico de filmes de bang-bang, urubus sobrevoando, só filmando o Jegue Jumêncio, que demora um minuto para dar dois passos. Os urubus já fizeram até bolão apostando a hora que ele vai deitar. Para quem cravar exato, o prêmio de dar as dez primeiras bicadas na parte a escolher. Por aproximação, cinco bicadas. Depois, liberado. Quem puder mais come mais. Quem vacilar vai nos rebotes e nas rebarbas. Se sobrar.

De repente o Romeu sonolento, em cima do sonolento Jegue Jumêncio avista logo adiante uma tosca casa, de cuja chaminé sai uma fumacinha branca..

Lentamente se dirige para lá. E ainda sem apear, chama:

- Ô de dentro!

- Ô de fora!

- Tem alguém aí?

- Claro que tem, né Pedro Bó! Quem estaria respondendo se não tivesse?

- Pode me dar uma caneca d'água?

- Posso sim, peraí...

Uns dois minutos depois apareceu uma mocinha novinha, até bonitinha, morena, cabelos pretos cortados chanelzinho, um batom vermelho vivo não muito bem passado...

-Apeie e entre. O pote com água está ali no canto.

Ele simpatizou com a moça.

Ele saciou sua sede e perguntou:

- Posso dar um pouco de água pro meu jegue?

- Pode. Vem comigo que mostro onde é a cisterna.

Ela o levou para os fundos da casa e disse:

- É ali ó! Fique à vontade. Se quiser se lavar pra tirar um pouco dessa nhaca tem um balde-chuveiro pendurado ali na casinha. Vou fazer um cafe. Quando terminar aí, venha até a cozinha.

E assim ele fez. Quando ele entrou ela o esperava com café e bolo.

- Como é seu nome?

- O meu, Romeu. E o seu?

- O meu é Rapunzel.

Ele, com a mão na boca para disfarçar a falta de um dente da frente e um lascado, herança da cabeçada de um garrote numa vaquejada, disfarçou um risinho.

- Você tá se rindo de quê, posso saber?

- Tô si rindo de nada não. Só achei seu nome engraçado, diferente...

- Pois eu não acho. Acho muito bonito! Minha mãe tirou de uma história que contaram para ela na infância. Era uma princesa linda, que uma bruxa má prendeu no alto de uma torre e blá blá blá ...

Terminada a história ele falou:

- História mais doida! Eu que nunca subiria pelas tranças dela!

- Ah, mas não subiria mesmo! Só uma maluca pra jogar as tranças pra você! Você precisa melhorar muito para ser sapo, quanto mais Príncipe!

Ele ficou até emocionado. Nunca ninguém o elogiara tanto.

E a prosa continuou por um bom tempo

Aí que ele se tocou que só vira ela por ali e perguntou:

- Que eu mal lhe pergunte, cadê sua famia?

- Painho e mainha, mais minha irmã do meio foram inté Juazeiro do Norte pagar promessa. Eu fiquei pra tomar conta da casa e das criações. Ano que vem minha irmã fica e eu vou.

- Promessa de quê? Pra chover?

- Também. Mais é pra pedir pro Padre Ciço arrumá marido pra nóis. A mainha morre de medo que a gente vá pro caritó .

Sem a mínima vontade de ir embora o Romeu falou:

- Bom, a prosa tá boa mas preciso seguir viage, dar um jeito na minha vida...

- Fique. Me faça companhia. Jante comigo. Pode dormir. Cama e rede tem um monte livre. Amanhã a gente vê. Ir pra onde agora, nesse fim de mundo?

- Já que você insiste, vou ficar então...

Na cabeça dela passava: Por essas bandas mesmo que eu procure muito, vai ser dificil, com essa escassez de homem, não vou achar nada melhor que isso. Vou apostar as minhas fichas é nesse Romeu mesmo!

Na cabeça dele passava: Ela é bem ajeitadinha. Bem pode ser a minha Julieta, apesar de se chamar Rapunzel. E nesse fim de mundo, léguas e léguas distante de onde quer que seja, eu pela natureza desprovida de qualquer traço de beleza acho que vou amarrar meu jegue nesse toco mesmo.

E assim passaram a primeira noite juntos. Não tão juntos como secretamente desejavam.

No dia seguinte, ele sem demonstrar a mínima vontade de ir embora e ela já quase pedindo pelo amor de Deus para que ele ficasse passaram o dia juntos comendo, proseando, ele demonstrando uma disposição e solicitude nunca vista dantes na história do sertão, se desdobrou em ajudar em todas as tarefas por ali. Até banho, outra coisa que não era muito chegado, ao fim da tarde ele tomou.

Foi a primeira vez que ela, espiando por uma estratégica fresta preparada por ela antes, que viu o Romeu pelado, parecendo um filhote de jegue com aquela coisa mole balançando. Com o frio da água o bigolim dele criou vida. E ela quase desmaiou e precisou se abanar para retomar o ar..

Quando ele saiu do banho ela ainda estava de zoinhos virados no maior dos devaneios.

- O que foi Ra? Você está bem?

- Tô bem até demais! Um calorão que me deu de repente. Quem tá precisando de um banho sou eu...

Daí, safadinho que também era, foi a vez dele dar aquela espiada mais que básica. E ela, sentindo-se ou sabendo-se observada caprichou na sensualização banhal, escorregando o sabonete por protuberâncias e reentrâncias demoradamente. Ela pegando fogo no chuveiro e ele ardendo do lado de fora, resistindo sabe lá como, em não dar uma enforcada no coiso ali mesmo. O que aliás era de muito gosto dele.

Logo depois, agora cheirosos estavam os dois na sala, frente a frente, como se perguntando por que estamos perdendo tanto tempo.

E literalmente pularam um em cima do outro.

Dizem que foi nesse instante que nasceu aquela famosa frase:

"Já que não tem tu vai tu mesmo!"

E nos dias seguintes só amor e sexo rolou entre os dois.

Toda hora a Rapunzel querendo e o Romeu comparecendo.

Quando a família dela voltou de Juazeiro e da porteira viram a Rapunzel com um homem em casa, o pai comentou:

- Óia véia! Tamo com moral lá com o Padim Ciço. Parece que já arrumou marido pra nossa fia Rapunzer!

- Também pudera! Não era pra menos, depois da fervorosidade das minhas rezas.

E assim, com as bênçãos da família dela, para economizar a grana que nem tinham, Romeu e Rapunzel juntaram os poucos panos num só armário.

E foram felizes para... Até agora. Com a Rapunzel grávida pela terceira vez do Romeu.

A vó toda coruja e babona pelo neto Romeuzinho Jr. , e pela neta Penélope Charlene, uma garotinha toda charmosinha que só gosta de roupinhas cor de rosa.

A irmã da Rapunzel já está até de malas prontas à caminho do caritó.

= Roberto Coradini {bp} =

04//08//2020

BETO bp
Enviado por BETO bp em 05/08/2020
Reeditado em 05/08/2020
Código do texto: T7026582
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