Estação do Tempo

Lá em cima do mundo, o rádio avisava que tinha guerra. Não que o rádio estivesse em cima do mundo, só a guerra. A Rosa ouvia aquelas palavras no radiozinho da venda, mas só ouvia. Não entendia aquela ladainha todos os dias e, assim, não se importava nem dava atenção. Já lá em cima, Matteo corria para não ser capturado. Um dia corria, no outro só caminhava, às vezes só se escondia, mas sempre, sempre tentando escapar daqueles homens do inverno. Enquanto isso, aqui a Rosa continuava andando também. Ao contrário de Matteo, ela caminhava para o inverno, aliás, tinha acabado de dar adeus ao verão. O verão passou até rápido, mas deu tempo de esquentar os miolos da Rosa. Coitada... nesse verão, uns homens de cara pintada passaram na sua casa e levaram o filho dela lá para cima. A partir desse dia, ela passou a morar sozinha na casa do morro. Casa do morro. Era assim que era conhecido, nas redondezas, o seu ranchinho humilde e pequeno. Estalos, muita poeira, sons ensurdecedores; tudo isso fazia parte do ambiente que Matteo estava agora. Precisou o pobre cavar um buraco no chão e ficar ali dias e dias a fim de se esconder dos homens. Ele tinha saudades de casa, da filha principalmente. Tinha duas, mas uma ainda era bem nova e pouco tempo tinha passado com ela. Mesmo o ranchinho ficando bem no alto do morro, ainda sobrava um pouco de morro. Desse jeito, em todas as tardes Rosa subia o morro um pouco mais, aí ficava diante de uma vista fascinante! Era o único jeito de tentar ver pra onde levaram o seu filho, já que foi lá pra cima do mundo. Mas nada, nadinha. Ela começou a perceber que quando o verão ameaçava a acabar, ela via com mais facilidade o horizonte. As folhas das árvores iam caindo, o sol já não era tão forte e aí não forçava tanto as vistas. Ele queria voltar pra casa, pra suas filhas. Mas nesse momento seu rosto estava jogado contra o chão, não só o dele, mas os de alguns companheiros também. Rente ao chão, via o sangue escorrendo, caindo sobre as folhas as quais muitas já estavam ali e outras que caiam vagarosamente. Agora ele seria só mais uma folha? Pensava calado e murmurando a dor. Em Forlì, também ficava rente ao chão, diante das folhas do parque, mas com suas filhas por cima, brincando de cavalo ou simplesmente rolando sobre aquele mar de folhas secas. Meu amigo leitor, Matteo conhecia o outono, Rosa não. Pelo menos não a palavra. Como sabemos, aqui o outono acontece primeiro que lá em cima. Assim, por ironia do destino, ou não, em 1942 as folhas caíram lá do alto do morro da Rosa. Foram caindo, bem devagar... Até que, cento e doze anos mais tarde, em 2054, o rádio e a internet anunciariam o fim da guerra e as folhas se encontrariam com o rosto de Matteo.

Vitor Romano
Enviado por Vitor Romano em 01/08/2020
Código do texto: T7023357
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.