O VALÔ DA VEÍCE
Essa arve tão frondosa, no pátio da minha casa,
Cresceu juntinho cumigo, foi minha amiga bondosa,
Mi balancei no seus gaio, trepei pra cumê seus fruto,
Fiz furquia di bodoqui i cacei munto passarinho, qui nela fazia seu ninho.
Sentava na sua sombra, pra trançá páia di trigo
I fazê chapéu di abrigo, pra lidá di sol a sol.
Amarrei munta bassôra, também plainei munto cabo
Di inxada i di machado, pra nóis pode trabaiá.
Quando chegava a tardinha, mi areunia cá famía ,
Pra tomá um chimarrão i fazê uma merenda,
A mulecada im redor, si abrigava do sol,
A muié fazia bolinho, i trazia bem quentinho.
I tudo nóis descansava, pruque já no otro dia,
Bem cedinho, tinha qui si alevantá, i pra nossa lida vortá.
Mais quando óio pra ela, cum mais di oitenta ano,
Seu tronco tá inrrugado, os gaio já tão dobrando,
I como eu vai ficando, mais véia i disprezada.
A criançada perdeu o gosto das brincadêra di antigamenti,
I essa arve inda tão bela, ficando meio amarela,
Eu fico aqui matutando, ela já num chama atenção.
O tempo vai passando, a veíce vai chegando,
I tudo perde seu valô. Como dói meu coração.
Vê qui assim como essa arve, eu tamém tô abandonado,
Poca gente conversa cumigo, diz qui tô ultrapassado.
Num qué ouvi meus consêio, nem iscuita o qui eu falo.
I eu fico aqui oiando, minhas mão cheia de calo.
Trabaiei tanto na vida i num tenho mais valô,
Tive o viço da juventude, i num tinha ixperiênça;
Tenho o sabê da veíce, mas ninguém tem paciêça
Pra sabe o qui eu penso, i qual são as minhas crença.
Tó a morti isperando, na sombra da minha companhêra,
Qui num vai mi abandoná inté a hora derradêrra.
(Causo publicado no livro O causo é bão? Aí, vareia, né?, 2016)
Cleusa Piovesan
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