Se morder, é meu peixe
Se vier mexer comigo, dou-lhe uma escarrada no meio das fuças só para você saber que não estou de brincadeira. Quero só ver as pestanas dos olhos apregadas nas sobrancelhas com o grude produzido por uma gripe mal curada nos meus pulmões.
Pensa que eu me esqueci de você, seu rala bucho dos cães dos infernos, de uma casca de ferida lambida por uma cachorra parida inda agora. Puxe daqui e nem olhe para trás.
Há quatro anos que espero você para sapecar tudinho na sua cara de pau envernizada com óleo de peroba.
Veio aqui na minha casa, quis comprar o meu voto por cinco sacos de cimento, uma carrada de pedra e uma chapa para minha boca, eu disse que não queria, queria era a construção da rede de esgoto porque não aguentava mais as muriçocas e os mosquitos na época de chuva.
Disse que queria a pavimentação da rua por causa da poeira e das doenças de tosse provocadas por ele.
Você se comprometeu e a gente deu a nossa palavra. Votamos em você, peia de couro de lagartixa.
Votamos porque você era daqui do bairro, da igreja, filho do compadre e da comadre, cresceu por aqui, estudou, virou gente, comprou mais umas quatro ou cinco coisas melhores, mas era daqui, falava com a gente, sentava nas calçadas, fazia as obras de caridade, parecia gente boa.
Eu sou um pescador, minha veia é uma lavadeira, mas como pobre que somos, a gente não é besta não. Essa cabeça não serve só para separar as orelhas e colecionar chifre não, minha veia é mulher honesta, faz par de costela comigo pra mais de meio século, desde que nós tomamos banho de rio juntos e ela embuchou.
Daí você se elege com o voto dos bestas, passa quatro anos colocando nome de gente morta em rua, tapando buracos se rua, conseguindo marcar exame, tomando o canto de quem está na fila, pagando conta de luz e água, enfeitando andor de santo e santa, dando uma micharia para as quermesses, alguns prêmios para o leilão, aprovando as maiores falcatruas contra os trabalhadores e trabalhadoras, comendo pelas beiras dos cofres públicos junto com o prefeito e acha que fez bem o papel de representante do povo?
Titica, solte aí os cachorros, traga aí aquele penico de mijo para acertar aqui as contas com esse panaca.
Na primeira oportunidade já mudou de bairro, comprou um carrão maior do que a cara e agora vem atrás do meu voto para manter os luxos?
Sou coxo, mas burro não!
Andei de carroça muitos anos e não tenho vergonha de minhas mãos calejadas, mas saia de minha casa porque aqui você não é bem-vindo, aqui não entra mentiroso, político de araque, pau de galinheiro, trapaceiro, filho de uma égua, usurpador nem caloteiro.
Erre o caminho da próxima vez, mas antes de sair, deixe aí uns minguados para eu comprar umas tábuas para consertar minha canoa. Cê sabe né, uma mão lava a outra, o inverno foi fraco, não teve peixe, o ganho foi pouco, tou no maior sufoco e ainda nem sei como vou fazer a mistura do feijão.
Na bodega não tenho mais crédito e, de resto, só posso pedir, se não tiver pra dar, puxe daqui antes que eu escarre esse tutano que desde o início da nossa prosa eu mastigo aqui no final da minha goela.
Porque comigo é assim: jogo meu anzol, se morder, é meu peixe.
Marcus Vinicius