VENTILADOR DO CÃO.

José Lúcio de Almeida Borges foi Representante Comercial durante todo tempo em que trabalhou antes de assumir a aposentadoria.

Nesses longos anos conseguiu formar verdadeira legião de amigos e clientes que, apesar do contato constante, se você dizendo o nome completo perguntasse se alguém conhecia essa pessoa, ninguém associaria o nome ao vendedor Zéborge, assim mesmo, numa palavra só, como ele assinava os talões de pedidos, cheques, fichas de hotel ou quaisquer outros papéis.

Para Zéborge não havia tempo ruim, estrada malcuidada ou cliente distante, ele visitava regularmente toda sua clientela para oferecer os produtos das suas três representadas, uma firma de confecção de camisas sociais; uma fábrica de tintas e vernizes e outra de material de decoração de interiores que faliu depois da chegada das bugigangas produzidas pelos escravos chineses.

Certa vez, no sertão esquecido do Rio Grande do Norte, lá para os lados de Currais Novos, Zéborge terminou o dia com a visita ao estabelecimento Casa do Lar dos irmãos José e Amaro Gaudino.

Zé Gaudino era bom cliente, conversadorzinho como um peste e que tinha a mania de fumar e oferecer aos amigos as fedorentas cigarrilhas Talvis, aquelas com piteira de plástico e que se dizem com aroma de chocolate, as quais, para não perder o cliente Zéborge, enchia a boca e soltava a fumaça tentando fazer os círculos passarem uns por dentro dos outros.

A conversa comprida consumiu as últimas claridades do dia e Zé Gaudino disse que era melhor Zéborge pernoitar na cidade por causa de uns assaltantes que estavam aterrorizando os viajantes da região, principalmente na estrada que liga a região com Campina Grande na Paraíba, que seria a próxima parada do vendedor.

Quem não ouve conselho, raramente acerta.

Pensando assim Zéborge foi se hospedar na pensão de Carminha Araújo, naquele casarão de frente para a praça, e para aliviar o sabor desagradável das cigarrilhas, jantou antes de ir para o quarto, último do corredor, junto ao banheiro coletivo.

Acionou a pera na ponta do fio pendente no meio do quarto para acender a lâmpada de luz amarelada, mortiça, pouco acima de sua cabeça.

Abriu a janela para ventilar o quarto e foi tomar o merecido banho para retirar a poeira do dia de trabalho e minimizar o calor daquela região do Brasil onde parece que o sol nunca se põe.

Findo o banho voltou ao quarto e ainda enrolado na toalha tentou ligar o ventilador. O choque violento sacudiu Zéborge dentro da mala que ficara aberta sobre a cama.

Quando recobrou os sentidos ele fez a promessa que cumpriu até deixar o mercado de trabalho, nunca mais pisou naquela pensão da peste.