CUPIM
Seu Olegário entrou no bilhar de Tota Medrado pouco antes do almoço, afogueado pelo calor do sol escaldante daquele janeiro excepcionalmente quente.
Até parecia que o sol estava com preguiça de andar e ficava parado por sobre os telhados enquanto o chão escaldante derretia até o solado de pneu das alpercatas.
Sentou-se na primeira mesa, tirou o lenço barrado de rapé e enxugou o suor do interior do chapéu e da testa enrugada pelos muitos anos de exposição à claridade e ao clima seco da região.
- Bom dia seu Olegário, vai uma cerveja? Daquelas de colarinho grande como o senhor gosta?
- Sim meu filho. Traga logo duas porque com o calor que eu estou sentindo uma só não vai dar nem para meia missa.
- E essa lata? Quer que guarde pro senhor?
- Marculino eu estou aqui viu! (Tota Medrado falou levantando-se de trás do balcão)
- Ôxe! Seu Tota. Que é que eu estou fazendo?
- Puxando assunto com seu Olegário. Sirva logo o que ele pediu e deixe o homem descansar.
- Deixe o menino Tota. Eu gosto dele.
- Tá vendo seu Tota. Todo mundo gosta d’eu. Só o senhor que implica comigo.
- Marculino é como se fosse da minha família. Eu considero muito ele.
- Seu Olegário, não dê cabimento a ele não. Marculino é muito saliente, se mete em tudo, dá palpite em tudo.
- Deixe ele comigo, eu sei como tratar bicho teimoso.
Agora mesmo comprei remédio para acabar com os cupins que estão danados comendo tudo lá na fazenda.
Com aquela chuvada que deu anteontem teve revoada e eles estão por toda parte e os calangos não estão dando conta de comer tudo.
Sapos não tem mais, a seca matou tudo, aí a gente tem que apelar para o veneno.
Nessa lata tem um galão que eu vou mandar Zarolho pulverizar por onde tiver madeira.
- E esse veneno consegue acabar com eles, seu Olegário?
- Olhe, acabar, acabar mesmo não, porque cupim é um bicho danado.
- Eles já deram muito trabalho para o senhor foi seu Olegário?
- Marculino venha cá...
- Ôxe seu Tota!
- Deu muito e não é de hoje que eu luto com eles.
- Eles já deram prejuízo ao senhor foi, seu Olegário?
- Prejuízo grande só nas construções, mas eu recuperei fácil o que me deixou enjicado foi que eles deram fim numa cabaça da melhor qualidade onde eu levava a água de beber quando ia caçar.
- Faz tempo isso, faz, seu Olegário?
- Faz bastante tempo.
Eu era rapazote assim como você e como sempre gostei muito de caçar ia com meu pai, mais uns amigos dele para o meio do mato.
Naquela época tinha por aqui tudo quanto é tipo de caça que se pode imaginar.
E numa das vezes, estava chovendo muito.
Chegamos num descampado que tinha só uma aroeira grande, cheia de galhos com muitas folhas.
Ficamos em baixo dela por uns tempos e para descansar o ombro eu tirei a cabaça que estava pesadona, cheia até d’água até a boca e pendurei num dos galhos da aroeira.
Conversa vai, conversa vem apareceram umas avoantes, saímos todos de debaixo da aroeira para atirar nas pombinhas, depois recolhemos, fomos atrás de uns mocós que apareceram do nada e findei esquecendo da cabaça presa no galho da árvore.
No caminho de volta, meu pai torceu o pé e passamos uns três anos sem sair para caçar.
- Mas o senhor não desistiu de caçar não, não foi?
- Marculino levante-se desse banco e deixe seu Olegário em paz.
- Ôxe seu Tota, deixe seu Olegário terminar de contar a história.
Agora é que está ficando bom...
- Pois olhe, quando saímos outra vez para caçar, eu me danei a procurar pela cabaça e nada de encontrar aí meu pai lembrou que a última vez que tinha visto ela foi no dia em que torceu o pé e que ela só podia estar no pé de aroeira aonde eu tinha deixado.
Pois eu vou lá buscar, prometi a mim mesmo, porque a cabaça era muito boa e por aqui nunca teve ladrão.
Se de fato eu tivesse deixado lá, lá ela estaria.
- E ela ainda estava lá, seu Olegário?
- O pé de aroeira tinha crescido mais ainda, ele já era grande, mas agora estava com quase duas vezes o tamanho porque cupim não está nem com a gota serena de comer uma madeira azeda feito a peste como aquela.
Eu me danei a procurar entre os galhos na altura dos olhos, mas nada de achar, foi quando meu pai me disse:
- O que é aquilo brilhando feito vidro lá em cima?
- Eu subi na árvore e quando cheguei perto vi que o galho tinha crescido e arrastado a cabaça lá para cima.
Os cupins tinham comido toda a madeira dela e o que estava brilhando era a luz do sol batendo na água que tinha ficado presa nas tiras de couro com o mesmo formato da cabaça.
GLOSSÁRIO:
Enjicado = indignado.