Panaceia

A noite vinha caindo e eu e meu colega Jorge, da Vigilância Sanitária estadual, paramos num posto de gasolina para abastecer o carro antes de retornarmos à estrada. Decidimos então dar uma olhada na loja de conveniências, comprar algo para comer e beber no caminho de volta. As primeiras medidas de isolamento contra a pandemia haviam sido divulgadas pelo governo do estado alguns dias antes, e quando entramos na loja de conveniência, onde se encontravam talvez meia dúzia de clientes, fomos encarados com apreensão. Eu e Jorge estávamos uniformizados, com nossos coletes azuis, e ele tranquilizou a caixa ao passarmos por ela:

- Não viemos fiscalizar!

Nos separamos dentro da loja. Jorge foi para a parte de bebidas, e eu fui para a prateleira dos salgadinhos e biscoitos. Pouco depois, me chamou, animado:

- Ei, Carlos! Olha só o que achei aqui!

Fui ver do que se tratava: uma pilha de caixas de Água Tônica enlatada, algo que eu estava tentando encontrar a algum tempo, mas que parecia haver desaparecido do mercado. Eu costumava comprar para o meu pai, que achava que o refrigerante tinha efeito digestivo.

- Que sorte! - Exclamei. - Vamos levar umas seis caixas!

Os outros clientes, que haviam acompanhado a nossa movimentação, não tiveram a menor dúvida: assim que pegamos as seis caixas, aproximaram-se e levaram todas as outras que estavam à venda. O estrado de madeira ficou vazio. Achamos a reação estranha, mas não fizemos comentários. Em seguida, paguei, colocamos as caixas no porta-malas do carro.

- O que acha que foi aquilo, na loja? - Indagou Jorge, manobrando para sair do posto.

- Certamente, não foi compra por impulso - avaliei.

- Acho que tem a ver com nossos coletes da Vigilância Sanitária - prosseguiu Jorge, olhando pelo retrovisor. - Talvez tenham achado que, se estávamos comprando Água Tônica, poderia ser algum tipo de remédio para, você sabe, o vírus.

Abanei a cabeça, incrédulo.

- Não passa pela minha cabeça que as pessoas possam ser assim tão estúpidas. Água Tônica é só refrigerante!

- Vai saber! - Replicou Jorge.

Deixou um caminhão passar, e depois embicou para a esquerda na estrada, tomando o rumo de casa.

- [08-05-2020]