Conflito de interesses

- O senhor será atendido agora - informou a secretária para Thomas Newmann, que lia um número antigo da "Life" na antessala do escritório de advocacia. Ele pôs o periódico de volta ao suporte de revistas e ergueu-se do sofá revestido de tecido onde estivera sentado, valise na mão esquerda. A secretária abriu a porta de mogno para que ele entrasse num confortável escritório acarpetado, parede da direita coberta por uma estante repleta de livros até o teto, parede esquerda com duas grandes janelas por onde entrava a luz da manhã através de cortinas brancas entreabertas. Ao fundo do aposento, uma imponente escrivaninha, duas cadeiras à frente e um cadeirão por trás dela, onde estava sentada uma mulher que ergueu-se quando ele entrou e veio ao seu encontro.

- Sr. Newmann! Encantada!

- A Srta. é... ? - Indagou ele, apertando a mão que lhe fora estendida.

- Regina Cobb, a segunda Cobb em "Cobb & Cobb Advogados Associados" - apresentou-se ela, indicando uma das cadeiras estofadas à frente da escrivaninha. - Sente-se, por favor.

Newmann sentou-se, valise no colo.

- Bem... quando liguei para o seu escritório, falei com um Sr. Cobb - disse Newmann cautelosamente.

- É o meu irmão, Robert - redarguiu a advogada. - Nos formamos em Direito por Harvard, ele antes de mim por ser mais velho. Mas enquanto esteve lutando na Europa, eu toquei o escritório sozinha.

- E onde está seu irmão, Srta.? - Indagou Newmann, mãos cruzadas sobre a valise.

- Robert teve que ausentar-se por conta de um cliente que precisou de assistência urgente, presencial - explicou. - Mas ele me passou o seu caso para atendimento, se não se importa.

Newmann parecia inseguro.

- Confesso que não esperava ser recebido por uma mulher - reconheceu.

- Por uma advogada - corrigiu ela com firmeza.

- Sim, naturalmente - Newmann esboçou um sorriso. - Imagino que a Srta. tenha a supervisão do seu irmão nas atividades da firma.

- Como eu lhe disse, Sr. Newmann, enquanto meu irmão combatia nazistas na Europa, eu estava à frente do escritório - assegurou. - Sou tão ou mais capaz do que ele para lidar com qualquer procedimento jurídico.

- A guerra acabou faz sete anos, Srta. - prosseguiu Newmann, sem parecer convencido. - É jovem e bonita. Não pretende ter filhos, ser mãe, deixar essa atividade ingrata para dedicar-se ao seu verdadeiro papel na sociedade?

- O qual seria? - Regina franziu a testa.

- Eu acabei de lhe dizer... ter filhos, ser mãe. Aquilo que se espera de uma mulher.

A advogada ergueu-se.

- Sr. Newmann, fico grato pela visita, mas creio que meu escritório não irá lhe atender.

- Talvez eu devesse falar com seu irmão... - sugeriu Newmann, também erguendo-se.

- Meu irmão confia no meu discernimento, Sr. Newmann - retrucou.

Regina escoltou o ex-futuro cliente para fora da sala. Este apanhou o sobretudo e o chapéu e despediu-se com uma observação irônica:

- Se a Srta. estiver disposta a trabalhar como secretária, creio que posso lhe conseguir uma vaga na minha empresa.

Regina pensou que nem que fosse o último emprego no Universo, mas respondeu apenas um "passar bem".

- Sujeitinho detestável - comentou para a secretária que a encarava apreensiva, quando Newmann entrou no elevador.

- Nossa, você está com uma cara - comentou a jovem. - O que ele disse?

- Além de me oferecer uma vaga de secretária? Que eu deveria largar minha profissão e ir cuidar de filhos; como se isso fosse tudo o que uma mulher pudesse querer!

- Você tem sorte, Regina - replicou a secretária. - Eu gosto muito de trabalhar aqui, mas no dia em que me casar, provavelmente vou ser apenas dona de casa.

- Não é bom ter seu próprio dinheiro, Nellie? - Questionou a advogada, braços cruzados.

- Acho que sou mais do tipo que prefere ser sustentada - admitiu a jovem com uma risadinha.

Regina pensou consigo mesma que Nellie bem poderia ir trabalhar para o Sr. Newmann. Mas não, pensou, nem mesmo Nellie merecia tamanho castigo.

Pouco depois, Robert chegou da rua e lhe deu um beijo no rosto antes de perguntar:

- Você pegou o caso do Thomas Newmann?

- Não - admitiu ela constrangida. - Ele não me aceitou como advogada. Misógino!

Para sua surpresa, Robert exclamou:

- Que bom!

- Bom? Por quê? - Espantou-se Regina.

- A dona da empresa que Newmann está processando me procurou... ela soube que você trabalha comigo e prefere ser defendida por uma mulher. Se tivesse pego o caso, eu teria que recusar a oferta que me foi feita, bem melhor do que a do Newmann.

O rosto de Regina iluminou-se.

- Pois avise à ela que acaba de acaba de ganhar uma advogada com motivação extra para ganhar a causa!

- Uma mulher ajudando outra? - Gracejou Robert.

- Uma trabalhadora ajudando outra trabalhadora - retrucou Regina com firmeza.

- [24-04-2020]