De avô pra neto

De avô pra neto

Vô Claus estava frenquentemente limpando e engrachando seus sapatos de couro bico-fino. Ele havia ganhado aqueles sapatos há anos e ainda os mantinha brilhantes e bem conservados, na cor preta original.

- Por que o senhor limpa esses sapatos todos os dias, se o o senhor não sai com eles para lugar nenhum? - perguntei quando sentei ao seu lado.

- Esses sapatos são uma reliquia, tenho um apreço muito grande por eles. São um presente, e na minha vida aprendi que devemos tratar com muito carinho aquilo que nos foi dado de coração -disse vô Claus enquanto admirava os sapatos.

Meu avô Claus, descendente de alemães, era um senhor de 66 anos, corpulento, possuia uma barriga de bebedor de cerveja de respeito, adorava coisas simples, churrascos, birita, assistir futebol pela TV, enquanto xingava e tomava sua cerveja barata. Ele vestia sua roupa que costumava usar quando estava trabalhando na sua velha oficina de carros e motos, no lado de casa.

A velha camisa de candidado a vereador da cidade, que de tanto usa-lás, de brancas ganhavam uma cor amarelada, um boné da formula 1, sua maior paixão, e um shorte de qualquer de time de futebol.

Eu estava com 15 anos, morava com ele e minha vó, Teresa. Fui criado por eles desde que minha mãe faleceu, quando eu tinha apenas 3 anos. Nunca conheci meu pai, meus avós nunca fizeram questão que eu o conhecesse.

Falavam pouco sobre minha mãe, que era filha deles, e menos ainda sobre meu pai. O que eu soube sobre ela foi por curiosidade, eu procurei saber. Sempre achei estranho nunca falarem sobre ela, mas a casa era cheia de fotos, desde a sua infância. Meus avós deixaram seu quarto do mesmo jeito que estava no dia que aconteceu o acidente. As roupas, os livros, as paredes do quarto pintadas de lilás, os Cd's na estante e os posters de Bandas de Rock.

- Doi, viver muito sabendo que a sua única filha morreu - dizia minha vó Teresa, com tristeza nos olhos, sempre que eu perguntava sobre minha mãe.

Depois dos dez anos parei de perguntar, estava feliz com a criação que tinha. Mas sempre fui curioso sobre o fato de meu vô Claus sorrir quando falava do acidente, não era um sorriso de deboche, ele ficava distante, olhando para longe, como se estivesse lembrando de coisas boas.

Certa vez, perguntei para ele sobre a morte. Vô Claus me disse, olhando nos olhos, para não pensar nela.

- Enquanto estiver vivo, viva! Não deixa que isso te incomode ou te amedronte, a vida não foi feita pra pensar em morrer -disse com voz séria.

- Mas eu quero saber por que tem quer ser desse jeito? Por que todo mundo precisa morrer? Eu não quero que o senhor e a vovó morram - falei enquanto limpava uma gota de lagrima.

Eu estava com 15 anos, não era um adolescente igual aos outros, eu estava cheio de curiosidades, dúvidas e medos.

Enquanto os outros estavam se iniciando na vida amorosa, ou preocupados com coisas de adolescentes, eu me preocupava com a morte e seus enigmas.

- Pare de chorar, essa é a maior besteira com que alguém pode se preocupar. Eu me preocupo mais com a pia do banheiro entupida do que com a morte. Se a porra do cano emtupir, vai ser uma desgraça, tua vó vai me encher o saco, vou ter que gastar dinheiro. Meu deus, uma dor de cabeça.

Agora a morte não tem jeito, se eu morrer, eu não vou estar aqui, pouco me importa se vou ser enterrado ou não, não vou sentir medo, já vou estar morto, não tem escapatoria - disse vô Claus, enquato engrachava os sapatos.

- Mas eu nao sei o que acontece depois, e eu nunca mais vou ver vocês - falei com uma voz triste.

- Ninguém sabe o que acontece depois, mas muita gente acredita em muitas coisas, para poder manterem as esperanças - disse vô Claus.

- Que coisas - Perguntei.

- Você não acredita em Deus, não crê que vai paro céu? - perguntou vô Claus, me olhando seriamente.

- Eu não sei ao certo, tenho muitas duvidas. Parece que não tem explicação, existir vida do nada, sem alguém ter criado. Como podem existir seres inteligentes como nós? Mas por outro lado, esse Deus que nos ensinam na igreja e nas escrituras, eu acho uma piada - falei um pouco envergonhado.

Vô Claus deu uma gargalhada.

- Você me surpreende meu jovem - disse vô Claus, sorrindo.

Lembro do cheiro de gasolina que tinha a garagem do meu avô, o cheiro de gracha, de ferro. Tudo era muito arcaico, mas ele era um bom mecânico, a oficina vivia cheia, ele sempe estava ocupado, concertando os carros dos clientes.

-E o senhor, acredita? - Perguntei.

Vô Claus deixou os sapatos proximo de si, levantou do banco, fazia calor naquela tarde. Sua testa escorria suor, sua velha camisa que outrora fora branca, estava suja de gracha.

- Eu descobri que a vida é mais emocionante quando a gente acredita em algo. Nunca esqueça isso meu filho, um homem, mesmo sabendo racionalmente, que não tem sentido em viver, precisa acreditar em algo. Seja o que for, mas a vida se torna mais bela, mais prazerosa quando se vive com esperança, com otimismo. Mesmo que nao tenha sentido - disse vô Claus, com ar professoril.

- E como faço para encontrar? - perguntei curioso.

- Você é muito jovem ainda, tem uma vida inteira pela frente, deve viver a sua vida agora. Curta tua idade, faça coisas que gosta, seja jovem, faça amigos e conheça garotas. Nunca pare de buscar conhecimento, se eu posso te dar um conselho, é isso que tenho pra te falar, meu rapaz - disse Vô Claus com uma certeza no olhar.

- Então, o seu conselho é para eu não pensar mais nisso?

- Tem outra coisa, meu rapaz. Você não pode mudar muita coisa que lhe acontecerá externamente. Na vida, nos chegam problemas que as vezes estão fora do nosso alcance resolve-los. Então a única saída é deixar as coisas fluirem. Não se desesperar e principalmente não sinta medo.

Ah, meu jovem, o medo não é tão útil, o medo nos deixa vivo, porém, ele nos atrapalha mais do que ajuda. Eu digo que é um mal necessário.

- Como assim, vô? -perguntei curioso e infeitiçado pelas palavras.

- Veja bem, o medo só é útil quando serve como instinto de sobrevivência, quando não nos deixa pular de um prédio de dez andares, ou quando não nos deixa enfrentar um leão com as mãos livres - disse Vô Claus enquanto sorria.

- Agora você entende que ter medo da morte é algo natural, que está totalmente ligado com nossa ser? A vida dá um jeito de se preservar, de fazer com que não corramos riscos atoa e desnecessários. Ela coloca o medo no nosso ser para nos proteger, não para ser usado como a maioria dos homens usam, colocando desculpa em tudo, vivendo uma vida chata e tediosa porque têm medo até da opinião dos outros. Uma bobagem! -disse vô Claus, enquanto guardava os sapatos em uma caixa cor de vinho.

- Agora entendo, vô - falei entusiasmado com o que estava ouvindo.

- Nunca deixe de fazer algo que você quer por medo do que as pessoas vão dizer a respeito de você, meu rapaz, não gaste energia preocupado em agradar os outros, ou querendo aprovação. Essa é a pior maneira de estragar a vida de um homem - disse vô Claus, com um ar cansado e triste.

- Então eu não preciso agradar o senhor e a vovó?

- Quando digo agradar, meu jovem, eu falo no sentido de só fazer o que os outros querem, e deixar de lado o que você quer, por medo da reação alheia. Não se trata de carinho, ou um gesto de amizade como dar um presente ou ser educado. Por exemplo, sua vó quer que você seja médico quando você crescer, mas se não for isso que você quiser ser, se quiser ser ator, escritor ou poeta, até mesmo costureiro, é isso que você precisa fazer, se isso te fará feliz, faça. Não se preocupe se tua vó não gostar, a vida é tua, meu rapaz, é você que irá vive-lá - disse vô Claus.

Naquele momento eu estava fascinado por suas palavras, não queria estar em outro lugar, meu coração pulsava aceleradamente, eu estava sentindo a vida em minhas veias. Um mundo se abria, e eu queria saber mais.

Foi quando eu pensei e minha mãe, me vieram as poucas lembranças e me bateu uma incrível nostalgia.

Em um impulso, perguntei ao vô Claus, porquê ele não sentia saudade de minha mãe, filha dele.

- E quem disse que eu não sinto saudades, dela?- perguntou vô Claus com um olhar severo.

- Ninguém disse, mas o senhor nunca fala dela, nem chora como a vovó faz.

- Sim eu sinto saudade, meu jovem, eu sofro muito por não a ter mais aqui conosco. Todo dia eu a levo nos meu pensamentos, e no meu coração, e você deveria fazer o mesmo.

Mas, dentro de mim, sinto que eu não preciso mais chorar, sinto que o tempo de encontra-la novamente, está perto. E logo estaremos sentados juntos à mesa novamente, rindo e comemorando - disse vô Claus, sorrindo.

- O senhor acredita mesmo? - Perguntei.

- Sim, não tenho nada a perder se acreditar, se eu estiver errado, e apenas o nada existir, tudo bem, e se eu estiver certo, então comemorarei, e tudo terá valido a pena - disse vô Claus.

- Mas enquanto isso meu jovem, não perca tempo e energia pensando nisso, todo dia, aproveite a vida aqui, enquanto a temos, sua mãe foi uma jovem que soube aproveitar. Gostava de música, queria ser dançarina, adorava discos de Rock, ela saía para festas e adorava praticar esportes também... Ahh... Era uma bela jovem sorridente, cheia de vida.

- Eu sei vô, eu me orgulho dela - Falei emocionado.

- Como eu disse antes, meu rapaz, não podemos mudar a vida, apenas devemos aceitar, ficar com raiva todo mundo fica, mas não devemos deixar ela nos controlar. Um homem sensato precisa ser forte, saber lidar com os perigos e adversidades que a vida nos impõe.

Isso serve para tudo, um dia você vai precisar ter coragem para andar só, vai ser só você, com suas proprias pernas, vai ter família, se quiser, ter filhos, vai ter responsabilidades e riscos. As dúvidas que permeiam e devoram a cabeça dos homens. Porém você vai precisar ser decidido, forte nas suas regras, escolher seu caminho e seguir, sem ter medo ou vacilação. Isso lhe fará um grande homem - disse vô Claus com um brilho no olhar.

- Isso assusta - falei, sorrindo.

- Assusta sim, mas voce vai se acostumar, enquanto eu eativer aqui, eu lhe ajudarei a caminhar seguro.

Um homem precisa ser seguro de si, ou seja, precisa ter convicções, regras em sua vida que não podem ser quebradas facilmente. Um homem precisa ser confiante, ter certeza que é capaz, e fazer as coisas sem que precise que os outros mandem fazer. Isso é um homem pró ativo, um lider - disse vô Claus.

- E como seriam essas regras? - perguntei.

- Regras são como você eacolhe viver sua vida, como você escolhe ser tratado, e como você escolhe tratar os outros. Sabe, meu rapaz. O que faz um homem ser muito respeitado por todos é a honestidade, ser honesto com tudo e com todos é uma dais maiores virtudes da vida. Se você tiver como regra, ser honesto, você será para sempre honesto, com todos, não mentirá, não se tornará corrupto, e nem deixará que te conrrompam.

E então suas regras serão inquebráveis, e você será bem visto e respeitado pelos que merecem. Isso vale para outras regras como: a humildade, lealdade, generosidade, amizade, respeito e outras, há milhares de virtudes...

E isso, meu rapaz, lhe fará um grande homem, pois na vida há muitos homens, uns não merecem viver, fazem dessa terra dura, um local mais ruim para se viver. E se você se tornar um bom homem, você não salvará o mundo, mas vai colaborar para deixa-lo um lugar melhor pra se viver - disse vô Claus, com felicidade nos olhos.

Logo em seguida vovó nos chamou para o jantar, e todos os dias houveram muitas conversas como aquela. Tempos depois meu vô Claus me falou sobre oa sapatos que sempre limpava, mas que nunca usava, era pra uma ocasião especial.

Um dia, anos depois essa ocasião chegou, e se foi com ele. Assim como a vida chega e vai, o meio dela é que nos interessa, só assim terá valido a pena, disse vô Claus, sem medo.