Douto

Crescera por ouvir a mãe tratar gente de todo tipo, à toda quantia, à toda sorte. A mãe fazia as rezas mais lindas, fortes como o vento, e na bacia fervia ervas e no ar soprava a fumaça vaporando o cheiro e os gritos firmes da cura. Tratara de parto à quebranto, feridas e desencantos. Tudo. A mãe, de pele já envelhecida, era dona por cuidar todos. Crescera assim. Já grande, em retirada ao fim do mundo, decidiu tornar-se doutor de tratar gente, também de todo tipo, como a mãe. Não estes doutos de tratar doenças, nem destes de tratar finanças, ou doutros de saber tudo. Sabendo que de pouco sabia, decidiu tratar das histórias. No fim do mundo, tratou de caminhar e caminhar. Acreditara que um bom douto se trabalha por esquinas, em bodegas, casebres, barracos, becos e marquises. Um bom douto trata donde a vida vinga. – Lá vem Ramón, o doutor. E todos se iam às ruas em terra aprontar suas histórias, uma a uma, e o douto a ouvir e a tratar as gentes como gentes. Ouvia, tocava, apalpava, percutia e guardava tudo no seu cantil de armazenar sonhos. Quando muito precisava, da maleta tirara a caneta, ou o aparelho de ouvir a vida, ou doutro de medir as febres. Se não sabia logo se movia por fazer com que o doente consultasse outro douto, que sobre aquilo mais sabia. Prescrevia de tudo: remédios, mandigas, cantigas, poesias e até abraços, quando a vida endurecia. Curara todos. No fim do mundo, os doutos são doutro tipo. O fim do mundo é todo mundo.