Ecossistema
- Vai bater o recorde! - Gritou Miles, ao ver a carga de troncos que estava sendo colocada sobre o trenó de Joe Hooper. Uma parelha de cavalos aguardava pacientemente que o condutor lhes desse o comando de partida, abanando as caudas e soltando baforadas de vapor pelas ventas largas no ar gelado de inverno.
- Não estou concorrendo - refutou Hooper, orientando os madeireiros que empilhavam as toras, umas sobre as outras. - Só quero descarregar esse último trenó no rio e depois vou para a vila, tomar um banho quente e beber um trago no McKnight.
Miles parecia de bom humor.
- Depois de quinze dias no meio do mato, quase dá para chamar Hillgrounds de cidade, não é mesmo?
- O acampamento não deixa de ser uma cidade - replicou Hooper, fazendo um gesto para os quatro barracões compridos de madeira, em meio a uma grande clareira que se abria na floresta coberta de neve. - Uma cidade sem bares e sem mulheres...
- Sem pastores e sem escolas - acrescentou Miles. - E onde só há trabalho, frio e contusões, nunca diversão.
- Exatamente por isso existe a vila. Às vezes, quando estou lá, sinto que nunca mais vou pisar de novo nesse lugar - divagou Hooper.
- Mas você sempre volta! - Riu Miles.
- O ser humano é um eterno insatisfeito, nunca se contenta com aquilo que tem - filosofou Hooper. - E ademais, eu preciso voltar. Todos nós, aliás. Há quem dependa da nossa presença aqui.
- Nossas mulheres e filhos, claro - acedeu gravemente Miles.
Hooper fez um sinal negativo com a mão enluvada, virando-se para gritar com os homens sobre o trenó:
- Amarrem isso direito! Não quero que a carga desabe antes de chegar ao rio!
Esfregou as mãos uma na outra e prosseguiu com o raciocínio:
- Não estou falando de seres humanos. Estou falando dos piolhos, no inverno, e dos mosquitos no verão.
E, diante da expressão de surpresa no rosto de Miles, concluiu:
- O que seria dessas pobres criaturas sem nós? Morreriam de fome!
- [31-03-2020]