Causos do Velho Jorge 6 - BICHOS

Sempre ouvi dos mais velhos que é pecado, dos cabeludos, jogar fora uma criação moribunda, sem esperar que ela tenha morrido de fato. De um caso desses tirei a maior lição de minha vida.

No meu sítio, sempre tive grande número de animais. Galinhas, patos, porcos, galinha d’Angola, três cachorros ensinados, um bode velho, que acabava com meus dias de vida, pelas confusões que aprontava, e até duas vacas leiteiras.

A propósito do bode, sempre achei que o bicho tivesse parte com o demônio. Não havia cerca que ele respeitasse e nem planta que ele não comesse. Subia no telhado do galinheiro, espantando a galinhada, invadia o paiol, fazia estragos na horta.

Por mim, já teria dado um fim nele havia muito tempo, mas fora dado, ainda cabritinho, como presente a uma das minhas filhas pelo padrinho dela, e a menina morria de ciúmes do bicho. A patroa sempre achava que não seria delicado desfazer-se do tal.

Certa vez, o safado passou das medidas. A mulher estava fritando alguns ovos para o almoço e já havia colocado três num prato sobre o fogão. Estava sozinha e teve de sair um minuto para atender ao choro de meu filho caçula e quando voltou atraída por um grande barulho, soltou tamanho grito que eu acudi pensando que alguém estivesse morrendo.

Entrei, assustado, e, de lance, o que vi foi o bode com a boca toda amarela das gemas dos ovos, que, derrubando uma porção de vasilhas, pulava a janela da cozinha.

Enquanto a mulher se refazia do susto, peguei a espingarda e saí atrás do desgraçado.

Ficamos enjoados de tanto comer carne daquele bode velho atentado.

Mas, voltando ao assunto do pecado, certa vez deu uma peste terrível no meu terreiro e foi um arraso. Tinha para mais de trezentas cabeças e, por dia, eu jogava fora dezenas de aves, mortas pela doença fatal.

Durante a noite, caíam das arvores onde costumavam dormir como jacas maduras. De manhã, era levantar e ir catando, com pesar, as inúmeras galinhas esborrachadas pelo terreiro.

Quando já não restavam nem cinquenta, levantei-me, num domingo, e vi estirado o galo mais bonito da criação. Além de boa raça, tinha um canto afinado como nenhum outro e dava prazer ouvi-lo nas madrugadas.

Notei que ele ainda estava vivo, mas já sem esperança, pedi ao meu filho mais velho que o levasse e jogasse no ‘cemitério’, onde um bando de urubus esperava pela costumeira e farta refeição.

Naquele momento, vinha chegando minha tia Maria que, inteirando-se do caso, repreendeu-me dizendo que não devia fazer aquilo, pois eu podia ser severamente castigado.

Sem acreditar muito naquela conversa e mais em respeito à velha, resolvi deixar o pobre galo acabar de morrer no terreiro e nem me lembrei mais dele.

Na manhã seguinte, ainda escuro, acordei assustado com um canto melodioso. Era o galo completamente curado que parecia agradecer.

A partir daquele dia, não perdi nenhuma criação e numa mais deu peste no meu terreiro. O galo morreu de velho e só muitos anos depois fiquei sabendo que minha tia, Deus a tenha, tinha benzido o terreiro com sua reza poderosa.

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 28/03/2020
Reeditado em 12/12/2023
Código do texto: T6900015
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.