O CASO DA MEDALHA
Jonas Sintra era um cabra bem de vida.
Com a herança que recebeu dos seus avós comerciantes e o bom tino que tinha para negócios, principalmente o de pechinchar, conseguiu em pouco tempo multiplicar a fortuna o que lhe garantia vida tranquila na cidade que crescia dia após dia graças à instalação de diversas fábricas, uma das quais, pertencente ao seu amigo Luiz Bonaventura de tradicional família italiana.
Acontece que Jonas apaixonou-se à primeira vista pela jovem Francesca, prima irmã do amigo Luiz, recém-chegada de Copparo, aquela cidadezinha da província de Ferrara na Itália, que tinha vindo ao Brasil para passar o natal e conhecer a maior parte dos parentes.
Como todo homem que se preza, Jonas tratou de impressionar a moça com o seu italiano insipiente que, no seu entender, a impressionara pela cortesia, conversa agradável e gestos de eloquente interesse.
Todas as mulheres do mundo gostam de receber flores, bombons e presentes.
Com essa certeza, Luiz resolveu dar um presente, mas que fosse algo marcante, que ela pudesse usar ou que fosse algo visível para mantê-lo sempre vivo no pensamento.
Depois de muito pensar a escolha recaiu numa medalha que, presa numa corrente poderia ir com a sua amada para onde quer que ela fosse.
Retirou do cofre uma das barrinhas com cinco gramas de ouro 916 e foi para a oficina do ourives na parte velha da cidade.
No cubículo ao fim do corredor do primeiro andar do prédio de portas estreitas e altas, ficava a oficina do senhor Porfírio, cuja figura parecia ter sido talhada pelos mesmos construtores do imóvel.
Alto, magro, cabelo impecavelmente fixado com brilhantina, trajado com terno cinza e colete azul cobalto, broche de pedra vermelha na gravata preta e viseira na altura das sobrancelhas.
- Em que posso lhe ser útil? (Perguntou ainda sentado na cadeira de palhinha diante do móvel antigo repleto de ferramentas e peças em execução)
- Preciso que o senhor faça uma medalha para dar de presente à minha namorada.
- O senhor não gostaria de escolher uma dessas já prontas. Eu estou com diversas encomendas de alianças. Parece que todo mundo resolveu noivar nesse próximo natal.
Dizendo isso, o senhor Porfírio retirou da pequena vitrine o expositor onde diversas medalhas, presas com alfinetes de segurança, reluziam o brilho dourado das joias bem elaboradas.
Jonas, meneando negativamente a cabeça, examinou todo o mostruário e com aquele ar de descontentamento disse:
- Essas medalhas são muito simples. Eu quero algo mais marcante, que seja única, que impressione à primeira vista, que seja inesquecível.
Ao mesmo tempo em que falava, Jonas retirou do bolso o saquinho de couro contendo a barra de ouro 22 quilates e entregando ao ourives disse:
- Cá está o ouro para o senhor fazer a medalha.
- E o desenho? Perguntou o senhor Porfírio.
- Não tenho o desenho. Eu confio no seu bom gosto para fazer algo realmente notável. Quando posso ver a medalha pronta?
O senhor Porfírio foi até a banca de trabalho, pegou a balancinha e a pedra de toque.
- Cinco gramas. 22 quilates, presumo. Próximo sábado, depois das dez...
- Estarei aqui, com toda a certeza. Quanto vai custar o trabalho?
- Deixe o acerto para depois. Vamos primeiro ver se o serviço vai lhe agradar. A moça é católica, tem algum santo de devoção?
- Oh! Sim, é católica fervorosa. Ela é devota de São Francisco. Francesca Bonaventura, tem o nome de dois santos.
- Então farei uma medalha de São Francisco para ela.
No sábado seguinte, Jonas estava na oficina do joalheiro antes mesmo que ele abrisse a porta. Examinou com bastante cuidado a peça onde, em relevo, São Francisco aparecia rodeado de diversos animais e os raios do sol se destacavam pelo corte em bisel na parte plana da peça em cujas bordas se destacavam espigas de trigo e cachos de uva.
- Não gostei muito. Acho que o senhor poderia melhorar...
E as datas foram sendo marcadas e remarcadas outras vezes sem que o trabalho estivesse ao gosto do exigente cliente que sempre queria que algo mais fosse acrescentado ou retirado até o dia em que ao receber a enésima recusa, o senhor Porfírio pegou a medalha, foi até a mesa de trabalho e com a maior calma do mundo, acendeu o maçarico, aqueceu a peça dentro do cadinho e segurando com a pequena tenaz, martelou transformando todo o trabalho num disforme pedaço de ouro.
Colocou no prato da balança e mostrando que o ponteiro indicava 5 gramas, disse com a voz calma das pessoas bem resolvidas.
- Leve seu ouro daqui e não volte mais. Lamento a sorte da moça que se casar com o senhor.
Não adiantaram os protestos de Jonas nem os apelos para comprar uma das medalhas do mostruário, com o senhor Porfírio não teve mais nenhum negócio.