MENINO INTERIORANO - MÁRCIO VALLE
Menino interiorano
Márcio Valle
Esta é a história de um menino, nascido e criado no interior de Minas Gerais.
Era início do outono, de um ano já perdido no tempo, quando nasceu numa cidadezinha do interior de Minas Gerais um garoto desenvolvido, mas com alguns problemas de vias respiratórias, com alergia a leite o que criava enormes transtornos a seus pais e que, apesar da escassa terapêutica existente na época, foi cedendo aos poucos.
Toninho, assim era chamado o garoto, tinha duas irmãs com idades próximas da sua, e formava com elas uma trinca do barulho!
Vizinho à sua casa residia um casal de velhinhos, bondosos como são os velhinhos de todo o mundo, sendo ambos baixos e gordinhos aos quais eles apelidaram de seu Peloto e dona Pelota!..
Os três na inocência da sua pouca idade, passavam o dia batendo com um pedaço de pau como se fosse uma baqueta, em uma lata, a gritar: Seu Peloto...Dona Pelota...
Nas suas brincadeiras eram acompanhados pelo cachorrinho dele, que atendia pelo nome de Zurique, e era um amigo fidelíssimo.
Como toda prefeitura de cidadezinha interiorana, a da cidade que Toninho morava também tinha seu fiscal de rua que zelava pelo bem estar da população.
Certa manhã, quando levantou, o menino se deparou com seu amigo fiel nos estertores da morte, por ter sido envenenado pelo fiscal, que julgou tratar-se de um cão vadio,na sua ótica, o garoto classificava aquele como um crime inominável e, portanto passível de represália.
Armou-se com vários calhaus, sentou-se na calçada de sua casa e ficou aguardando que o ”assassino” passasse por ali, o que não demorou a acontecer! Com raiva e chorando, o menino disparou uma saraivada de pedras no fiel servidor municipal que, surpreso com aquela recepção, foi refugiar-se na própria casa do garoto, o que lhe rendeu a proteção da mãe das crianças.
O amor dos pequenos pelo cachorrinho era tão grande que passaram alguns dias acabrunhados e chorando a perda do amiguinho.
Os dias foram passando e teve início a obra do que seria mais tarde um hotel, com três pavimentos (considerado na localidade um arranha – céu ) que aguçou a curiosidade do Toninho.
Para suprir a obra de água foi feita a perfuração de um poço, cuja profundidade mantinha uma lamina d’água suficiente para o serviço, tendo a boca nivelada com o chão.
A fim de conseguir enxergar no alto da construção, Toninho foi se afastando de ré e repentinamente sentiu faltar-lhe o chão caindo dentro do poço.
Gritou por socorro e, num bafejo de sorte, um dos trabalhadores ouviu seus gritos e baixou a vara com um recipiente, que servia para retirar água.
Toninho foi içado e levado para a casa de uma amiga de sua mãe, que lhe tirou a roupa molhada e providenciou uma toalha para enxugá-lo.
Quando se viu nu, na frente de várias pessoas, o pirralho pulou de cima da mesa onde foi colocado e saiu em desabalada carreira para casa. Nem a banda que tocava no coreto da praça principal conseguiu atrair o menino.
Quando aparecia uma banda de música era uma festa para Toninho que, na companhia de outros meninos, ia seguindo-a, marchando junto com os membros da “furiosa”, batendo palmas, como se estivessem tocando os pratos.
Depois de percorrer algumas ruas ela se instalava no coreto e nosso amiguinho ficava sentado num dos bancos da praça, embevecido, apreciando a execução dos dobrados, valsinhas e marchas que encantavam.
A única coisa que provocava a debandada da molecada de perto da banda eram os foguetes...
No interior toda festa tem seu foguetório na hora da procissão, na ladainha, na coroação da Santa e até chamando para a sessão de cinema...
Antigamente, os foguetes eram apensados à varetas, que lhes davam maior estabilidade e direção. Os fogueteiros, prevenindo acidentes, dirigiam-nos para áreas desabitadas, quase sempre pastos, e os meninos no afã de obterem as varinhas adentravam o mato e, muitas vezes, tinham as roupas rasgadas. que lhes provocavam enormes reprimendas.
É impressionante a facilidade com que as crianças resolvem certos problemas.
Em determinada ocasião, o pai de Toninho mandou que fosse levada em sua casa uma certa quantidade de terra vermelha, no intuito de ser feito um pequeno aterro no quintal.
O menino foi advertido de que seria castigado se sujasse a roupa, naquela terra
Mas, convenhamos, um monte de terra atrai uma criança, da mesma forma que uma raposa é atraída por um galinheiro cheio das penosas e o garoto sentiu-se atraído subindo no mesmo, descendo escorregando, sentadinho.
Depois de várias subidas e descidas, lembrou-se da recomendação e viu que estava todo sujo.
E agora! Como sair dessa?
Como disse certa vez um grande filósofo do futebol brasileiro, “para toda problemática há sempre uma solucionática” ...
Sorrateiramente, entrou em casa, foi ao banheiro e vestiu a calça pelo avesso, julgando que, dessa forma, estava livre do castigo. Não obteve êxito!
Apesar de ter sido um menino arteiro Toninho cresceu num ambiente familiar salutar é hoje um homem de bem e sente uma saudade danada dessa infância gostosa que, infelizmente, a maioria das crianças desconhece.
Cadê a roupa suja de terra vermelha, cadê a correria pelos pastos atrás dos foguetes, cadê a procissão, cadê a banda tocando no coreto da praça?
Esta é a história real de um menino que viveu uma infância feliz!