Maria

Cresci a ver minha mãe catar as coisas imundas do chão. Catava o resto do mundo, o resto do resto, o resto que vinha, mas sorte mesmo só dava quando comida tinha. Comia farinha, minha mãe. E farinha trazia, de bom grado, para os filhos e pra madrinha. Ela dizia que farinha rendia. Cedo saía, antes do sol e antes do dia, e com o sol já baixo, de sorriso chorado, pra casa vinha. Minha mãe pedia, e quando encontrava comida, na lixeira da calçada, comia que se lambia. De tanta fome que tinha, minha mãe. O resto que sobrava, quando a fome deixava, me trazia. Sempre trouxe, sem pular um só dia. Mas coração minha mãe tinha. Amava e mal não fazia. Chorava e pressentia. Cuidava e sempre dizia: solidariedade, Maria. Solidariedade! Seus olhos, mesmo amarelados, à alma cingia. A pele preta a cortar tão fundo os dedos que nem a dor ouvia. Vivia a se apaziguar com a dor. Minha mãe viveu tanto que morreu de tanto viver. Ela também se chamava Maria.