FAROLEIRO

Contam que há muito tempo um faroleiro, sua mulher e filho pequeno viviam no que hoje são as ruínas do farol dos Rochedos de São Pedro e São Paulo bem acima do Arquipélago de Fernando de Noronha.

A história deles está registrada no diário do farol e conta que:

Mensalmente um pequeno navio trazia o combustível para o farol, os mantimentos, a água potável para a família e levava para o continente todo lixo produzido.

Naqueles dias do final do século XIX e início do século XX os faróis luminosos eram de suma importância para a navegação vez que a segurança dependia exclusivamente deles, porque ainda não haviam rádios nem outros meios de comunicação sem fio.

Cada farol emitia em código Morse o fluxo de luz indicativa da sua posição devidamente registradas nos mapas de navegação e eram manejados por homens dedicados e experientes, capazes de largar todo o conforto das cidades para se internarem nos locais mais inóspitos a fim de garantir a tranquilidade no fluxo das mercadorias e passageiros.

Durante o dia, naquela latitude, quando invariavelmente há luz solar por mais de 12 horas o trabalho se resumia a manter a lente e as vidraças do farol livres do embaçamento provocado pelo spray das ondas ao se chocarem com a rocha.

E num desses dias em que a maré estava própria para uma boa pescaria, o faroleiro e a mulher foram pescar com as varas novas a poucos passos da porta da casinha onde a criança com menos de três anos de idade dormia o sono dos anjos.

O tambor de ferro contendo a água de beber tinha uma torneira de alavanca, dessas que são acionadas com movimento lateral de um quarto de volta e o menino quando acordou, foi beber água, mas por conta da pouca idade deixou a torneira aberta e a água se foi pela porta dos fundos.

Saciada a sede, juntou-se aos pais e desfrutaram a pescaria até que o sol no ocaso avisou ao faroleiro que estava na hora de acender o farol.

Ao entrar na casa, nem se deu conta de que a água de beber já não mais existia.

Somente mais tarde, quando a mulher foi preparar o mingau da criança foi que notou o fato de que estavam sem a água do tonel, mas isso não era problema, afinal tinham todo o oceano na porta de casa.

Desconhecendo os problemas orgânicos que advêm da ingestão de água do mar sem destilação, os três passaram a utilizar a água salgada para tudo, mas a sede só aumentava.

Em menos de uma semana a criança apresentou diarreia e morreu por desidratação. Depois do sepultamento feito no mar conforme o rito dos velhos marinheiros, a mãe inconsolada pela perda irreparável, também foi consumida pela desidratação maximizada pela diarreia.

O faroleiro com o organismo em colapso, registrou o acontecimento no livro e o porquê de o farol permanecer apagado nas muitas noites entre o seu falecimento e o retorno do navio com mantimentos.

A partir desse fato, os faroleiros passaram a armazenar a água em várias barricas de menor capacidade, para que na ocorrência de algum acidente com uma delas, as demais estivessem a salvo.

Com o passar do tempo a tecnologia das telecomunicações e o GPS* aposentaram a maior parte dos faróis e seus anônimos operadores.

* GPS - O sistema de posicionamento global, (em inglês, global positioning system)