NÃO ESTAMOS SÓ

Numa casa simples, de varanda e com quintal bem arborizado, localizada em rua pacata, bem próxima da praia do Cardo, em Sepetiba, morava Estela , seu filho ( uma criança de 8 anos) e uma sobrinha ( Raquel, que também tinha 8 anos). Era mês de Janeiro, Estela saiu de Nova Iguaçu com as duas crianças, do apartamento de onde morava pois não suportava mais ver o marido sendo derrotado pelo vício maldito do álcool. A mulher estava determinada, não adiantava conversar. A solução era tomar uma medida drástica, aproveitou as férias das crianças e descobriu que a sua vizinha estava alugando uma casa boa em Sepetiba, e resolveu fazer negócio. Sexta-feira à tarde, Everaldo chega bêbado do trabalho. A discussão começa, as malas prontas, o choro das crianças. Ficaram muito tristes nesse dia. Elas que sempre recebiam Everaldo com alegria ( o filho e a sobrinha corriam pra tirar seu sapato e as meias, tudo na maior felicidade, e sempre Everaldo trazia biscoitos e guloseimas pras crianças) dessa vez a tristeza tomou conta do ambiente. Anoiteceu, e depois de muita conversa Estela e as crianças rumaram pra Sepetiba. No ônibus, Estela fala com as crianças que tinha chegado no seu limite. Maurinho chora pensando no pai, sozinho, o que estaria fazendo, bêbado, dormindo... E no outro dia, ir pro trabalho sem ver a família. Mas o menino alimentava esperança de o " castigo" dado pela mãe surtir efeito. Estela também tinha essa esperança!

Chegam em Sepetiba quase onze horas da noite, Estela com o endereço da casa escrito no papel consegue achá-la . Chega no portão, mas a escuridão impede deles verem como é a casa. Só conseguem ver que são duas casas, uma do lado da outra num quintal bem grande. Estela toca a campainha, e a luz externa da segunda casa lá no fundo, acende. Um senhor aparece, cabelos brancos, alto, branco, forte. Estela se apresenta, diz que alugou a casa de sua vizinha Iranilda.

" Boa noite, moço! A Nilda falou com o senhor que eu aluguei a casa e viria aqui hoje? Desculpa incomodar! Acho que o senhor estava dormindo né!". Estela se mostra um pouco envergonhada, e as crianças com sono. O senhor, se apresenta, diz que não estava sabendo, mandou a mulher e as crianças aguardarem e ligou para a dona do imóvel. O tom de voz do homem, denunciava que ele era rígido. Estela ficou meio assustada. Ficou aguardando, as crianças estavam inquietas, querendo dormir. O homem retorna e finalmente abre o portão.

" A Nilda deixa a cópia das chaves da casa comigo, raramente ela aparece aqui. Meu nome é Antônio, sou militar reformado do Exército. Fui também durante muitos anos delegado de polícia. Moro aqui há muitos anos, cheguei a namorar a Nilda na juventude. Hoje somos somente amigos! Entrem, fiquem à vontade! Espero que gostem da casa! Eu sempre arrumo, está tudo organizado."

De fato, estava tudo arrumado. Casa de alvenaria. Mobiliada com móveis rústicos, uma televisão pequena, rádio de pilha. Seu Antônio se despede, brinca com as crianças, que dão um leve sorriso com caras cheias de sono.

Estela ajeita as coisas, desfaz as malas, prepara a cama, e todos vão dormir. Maurinho sonha com o pai, o dia amanhecendo, o sol brilhando e seu pai sorrindo e lhe dando um abraço, e dizendo filho eu parei de beber.

Maurinho sorri.

De repente, o sonho é interrompido. Estela chama as crianças pra tomar café e irem caminhar na beira da praia.

" Filho!... Acorda! Raquel... Acordem! Olha o dia lindo pra gente andar! Vamos tomar café! Seu Antônio chegou bem cedinho aqui e trouxe pão pra gente."

Maurinho, ao acordar, pergunta logo pelo pai.

" Filho, seu pai não está aqui não! Você sonhou, menino!... "

Todos tomam café! Em seguida Raquel e a tia vão ao banheiro a fim de colocar biquínis.

Maurinho também se arruma, coloca sunga, leva bola pra brincar com a prima. Na saída, Seu Antônio brinca com os pequenos. Conta uma história engraçada:

"Nossa, garotada! Aqui em casa tem muita formiga! Hoje eu acordei no sofá. As formigas me carregaram, me tiraram da cama e me levaram para o sofá. Vocês acreditam?"

As crianças caíram na risada. Seu Antônio era um homem bom, o seu jeito rígido, sério era só fachada. Na verdade ele tinha um coração doce! Gostava muito de crianças! Tinha filhos já adultos, sofreu muito com a separação. Os filhos escolheram ficar com a mãe, Seu Antônio ficou desprezado. Sentia saudades de estar com a família. Fez tudo pela mulher e pelos filhos, e hoje está preso na solidão. Ao ver as crianças de Estela, lembrou de seus filhos pequenos. A alegria tomou conta novamente daquele senhor.

Uma certa noite, Estela estava passeando com suas crianças. Fazia um pouco frio, e os meninos queriam ir para o parque de diversões em Santa Cruz. Estela estava caminhando na orla, e disse que estava cansada e aquela hora já era tarde. " Outro dia, prometo que levo vocês! Vamos agora pra casa! Já é tarde, e está frio!"

Nesse momento, passa um carro bem lento e se aproxima dos três. O motorista faz um gracejo pra Estela, e a convida pra entrar no carro com as crianças.

Seu Antônio, que estava vindo do mercadinho, assiste a cena, e resolve se aproximar. O motorista vendo que o senhor estava vindo com a arma na cintura, arranca com o carro.

" Mais cuidado, minha filha! Aqui é um local tranquilo, mas nunca é bom facilitar! Você caminhando com essas crianças... Todo cuidado é pouco! Graças a Deus cheguei a tempo! Vagabundo aqui não se cria não, o pessoal aqui me conhece! "

Estela e as crianças fazem amizade com Seu Antônio. A jovem de 30 anos conta para o senhor já cinquentão que sofria muito com o marido alcoólatra. Ele responde que a pior coisa do ser humano é se deixar dominar por uma coisa que não tem vida, como álcool e cigarro. Disse que Deus deu ao homem capacidade para dominar todas as coisas na Terra.

Infeliz é o homem que é dominado!

Maurinho meditava, no momento que Seu Antônio, dizia estas palavras. " Meu pai é forte, é meu herói, nada é capaz de vencer meu pai. Eu irei vê-lo transformado. Meu pai é forte, gigante, me suportou em seus ombros quando íamos ao Maracanã, e ele me colocava em seus ombros pra que eu pudesse ver em meio a multidão a chegada do Papai Noel. " Nesse momento, uma lágrima rola no rosto do menino. Raquel caçoa dele ao vê-lo chorar, começa a fazer cócegas.

Os dois vão brincar no quintal, saboreiam as amoras no pé. Estela avisa às crianças que vai à manicure fazer suas unhas e comprar coxinhas e risoles pra lancharem à noite.

Os três saem e Estela caminha para a casa da manicure enquanto as crianças vão à praia.

Num período da tarde, a fome aperta. As crianças saem do banho de mar, e no calçadão, um velho aparentando ser um pescador, oferece algumas mangas para os pequenos, que aceitam sem titubear. Vendo os meninos devorarem os frutos cheios de fome, o homem chama-os para ir na casa dele. " Vamos na minha casa! Lá tem uma mangueira bem carregada! Muita manga espada docinha! Vocês vão adorar!"

As crianças aceitam ir na casa do desconhecido, acompanham o velho.

Chegando lá, na varanda da casa do homem, que estava com uma faca descascando as mangas. Ele olhou pro corpo de Raquel, desejou a menina de 8 anos. Partiu pra cima da garota querendo ameaçá-la com uma faca. Era um tarado! Raquel e o velho se embolaram no chão!.

" Que isso, moço! O que o senhor quer ?"

Raquel chorando, Maurinho paralisado sem reação. Raquel dá um chute na mão do velho e o empurra. O velho estava bêbado! As duas crianças fogem, abrem o portão às pressas. Os dois chorando com as mãos e as bocas lambuzadas de manga, partem para a casa da manicure.

Chegam lá aos prantos!

Estela fica assustada, e a manicure oferece um copo d'água com açúcar pra acalmar os menores.

Que dia horrível! Parecia um pesadelo!

Maurinho não queria mais saber de ir à praia sozinho, e nem com a prima. Só ia pra praia na companhia da mãe!

No outro dia, uma surpresa bem gostosa!... O grande dia! Everaldo chega em Sepetiba, que dia abençoado! O reencontro com a esposa, o filho e a sobrinha! Estela no início de mostra meio arisca. Mas Everaldo conta que decidiu parar de beber!

Maurinho viu seu sonho se tornar realidade: o pai chegou numa manhã ensolarada. Chegou seu pai, seu herói.

Agora estava tudo bem! Não tinha que ter mais medo de nada. Com o pai e a mãe juntos viveriam todos felizes.

Seu Antônio conversou com Everaldo, disse que era pra ele cuidar da família, e em seguida deu-lhe os parabéns por ser um homem de verdade, ser humilde, forte, e procurar ajuda no Alcoólicos anônimos.

Everaldo seguiu firme no seu propósito de parar de beber.

Seu Antônio prometeu para as crianças ir visitá-las em Nova Iguaçu.

O senhor voltou a viver sua rotina na solidão. Solidão que ele pensava estar vivendo, mas quando somos pessoas de bom coração, quando somos amigos das crianças, quando somos verdadeiros com nossos sentimentos, quando caminhamos na vida fazendo o que é certo, quando nos dominamos, vencendo o nosso Eu e deixando prevalecer a vontade de Deus, então não estamos só: Deus nos acompanha!

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 22/02/2020
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