O Pagamento

Justino foi trabalhar na fazenda do Coronel Rodrigues com o propósito de juntar um bom dinheiro e melhorar de vida. Esta certeza, porém, durou pouco, ao descobrir que os trabalhadores da fazenda, eram mantidos em condições análogas a escravidão, principalmente, quando precisavam de alimentos ou de algum objeto de uso pessoal. Assim, em vez de ganhar dinheiro, passou a acumular dívidas que o prenderiam na fazenda por muito tempo, se não fosse embora. Um sentimento de revolta o invadiu.

Procurou o coronel e expôs suas dúvidas. Sem pagar a divida era impossível sair, lhe avisou o fazendeiro. Ele não deixaria. Mas, depois de muita discussão e só após a assinatura de uma nota promissória, imposta pelo coronel, ele conseguiu sair da fazenda. Não tinha outra saída. Do contrário, nunca conseguiria pagar suas dividas e ainda, teria que fazer novas. O Coronel Rodrigues era um homem poderoso. Amigo de políticos, tinha o delegado e a polícia em suas mãos. Por isso era uma pessoa sem escrúpulos e perigosa que se aproveitava da situação dos fracos para se enriquecer.

Alguns meses depois que Justino saiu da fazenda, a nota promissória venceu. Propositadamente, não foi acertar a conta. Não tinha como pagar. Gastara suas poucas economias para reativar um sítio que recebera de herança do pai, recentemente falecido. Quieto no seu canto pusera-se, então, numa tocaia defensiva, pensando, pesando, calculando, pois não pretendia pagar aquela dívida.

Cansado de esperá-lo, o fazendeiro mandou-lhe um recado. Quem levou foi o capataz. Um matuto forte, criado na fazenda, acostumado a lidar com burro bravo e fiel como um cachorro. Naquela noite, Justino estava sentado na sala, tinha acabado de acender um cigarro de palha, fumava e pensava na vida quando bateram a porta com força. Manteve-se perfeitamente imóvel, fumando e pensando. Novamente bateram e insistentemente, chamaram o seu nome. Aí, levantou-se e foi atender. Não ficou surpreso ao ver o capataz. Há muito tempo o esperava. Ele entrou e passou logo o recado:

- Toma muito cuidado, porque a coisa vai ficar feia para o seu lado. O homem mandou lhe dizer que se você não for logo acertar o pagamento, ele vai tomar as devidas providências. Vem aqui com o delegado, prende você e o deixa passar um bom tempo na cadeia. Ele disse que não vai deixar por menos. Você sabe que o homem não gosta de perder.

Deu o recado e não falou mais nada. Abriu a porta e saiu. Justino não se intimidou. No dia seguinte, um pouco antes do meio dia, foi até a fazenda falar com o fazendeiro, e propôs rolar a dívida. Começou dizendo que queria pagar, mas não tinha conseguido juntar o dinheiro todo, por isso, precisava de tempo. O fazendeiro, porém, estava irredutível. Não prorrogaria a dívida de jeito nenhum, nem se a mãe pedisse. O pior, teria que pagar com juros e multa pelo atraso.

Não viu naquele homem nenhum indicio de que não usaria a força, caso fosse preciso. Voltou para casa com a mesma disposição de não pagar a dívida, pois tinha a esperança de encontrar um jeito de escapar daquilo que considerava um roubo legalizado.

Dois dias depois, o fazendeiro mandou outro recado. Para seu desgosto, o portador lhe assegurou que, se ele não fosse pagar a dívida imediatamente, o homem viria com a polícia. Justino estremeceu. Pelo visto, o coronel não estava brincando.

No dia seguinte, quando se dirigia à fazenda com alguns trocados para tentar ganhar tempo, viu próximo à cerca, o cavalo predileto do fazendeiro. Aquela visão deu-lhe uma boa idéia. Com certeza o libertaria, para sempre, da dívida. Voltou para casa e esperou anoitecer.

A noite voltou à fazenda. O coronel já estava deitado. Justino bateu a porta. O homem respondeu zangado que voltasse no outro dia. Ele gritou que viera pagar a divida e pediu que trouxesse a promissória. O tom de sua voz refletia uma calma verdadeira e o coronel não teve dúvida. Mandou que esperasse. Alguns minutos depois, ele apareceu trazendo a promissória. Justino apontou para o vulto de um cavalo amarrado embaixo da árvore em frente ao curral e disse que não tinha dinheiro, mas trouxera um cavalo para pagar a dívida. O fazendeiro viu e gostou. Ficou satisfeito, mais pelo fato de receber um divida enrolada do que pelo animal, que mal podia ver. Rasgou a promissória na frente de Justino, desobrigando-o da dívida. Depois, mandou que soltasse o animal no pasto e fosse embora porque queria dormir. Antes de fechar a porta, esperou para ter certeza, e viu Justino soltar o cavalo no pasto.

Pela manhã, o coronel se aproximou da janela, os olhos pendulando entre a pastagem e as cercas de arame, sinuosas e infindáveis marcando a vastidão da sua fazenda. Sentiu-se calmo. Prendeu a respiração com a mesma sensação de quem vê o paraíso. Mas o fascínio, só durou um instante, pois foi interrompido por uma descoberta desconcertante: havia apenas um cavalo, o seu predileto. Nenhum outro mais. Compreendeu, então, que fora enganado pela inteligência de um matuto.