AS MUITAS PERGUNTAS DA VIDA

Túlio começou no vício da bebida ainda bem novo, aos dezesseis anos. Era um jovem muito tímido, de poucas palavras tal qual o seu pai. Sofria por ter um pai severo, queria ter uma aproximação maior com ele, se abrir... Mas via o pai distante, rígido, sem um olhar de carinho. O pai de Túlio tinha uma banca de frutas e legumes, era um homem bem respeitado no pequeno vilarejo de Itinga. Geraldo não gostava de dever nada a ninguém, tinha um caráter ímpar. Os filhos estudavam no melhor colégio da região. Enquanto muitos pais de alunos com alto poder aquisitivo tinham dívidas nas mensalidades, Geraldo com o dinheiro das vendas de verduras, pagava em dia o colégio dos filhos. Fazia questão que os filhos tivessem um bom ensino. Era um homem batalhador e com uma história muito triste. Outrora era um homem muito rico lá no Nordeste ( sua terra natal) , mas perdeu grande parte do seu patrimônio quando sua esposa de uma hora pra outra enlouqueceu. Gastou mundos e fundos no tratamento de sua companheira, mas de nada adiantava. Por isso, ele ficou desgostoso, afinal não tinha mais a mulher que tanto o ajudava. Amália era uma mulher que só vivia para o marido e para os filhos. Era uma excelente dona de casa, e também trabalhava com o marido na administração dos muitos comércios dele lá no Nordeste. De repente, assim que deu a luz à Natália ( irmã caçula de Túlio) começou a ter ataques, descontroles. Ninguém sabia ao certo a razão: alguns diziam se tratar de resguardo quebrado, outros diziam que o motivo era pelo fato da família ser muito invejada, pois eram prósperos, unidos. Amália não se envolvia em fofocas, não perdia o tempo em casas de vizinhos jogando conversa fora, mas antes se mantinha fiel ao marido, era seu braço direito. Cuidava muito bem dos filhos, ajudava pessoas carentes doando alimentos. Enfim, era uma grande mulher, orgulho do marido, a mulher virtuosa como toda mulher deve ser. Infelizmente hoje em dia, o certo se tornou errado. As mulheres parece que perderam o gosto de cuidar da casa, do marido, querem competir com eles... Triste isso!... Mas voltando... Essa característica de Amália, pode ter provocado inveja. Resultado disso: A família que era próspera, se viu numa situação lastimável. Foram muitos tratamentos, internações, Geraldo não sabia mais o que fazer para ver a mulher curada. Um dia recebeu a visita de sua cunhada, vinda do Rio de Janeiro. Ela lhe disse que na Cidade Maravilhosa havia muitos recursos, muitos bons médicos e enfermeiros. Acabou convencendo Geraldo, que naquela altura já tinha até contratado uma enfermeira particular pra cuidar de sua esposa. Muito gasto, e nenhum resultado! O homem decidiu seguir o conselho da cunhada e mandou a esposa junto com Suzana, sua filha mais velha, ir de avião para o Rio. Geraldo se desfez de todos os seus bens, organizou toda a sua vida e depois também foi pro Rio. Mandou depois buscar seus filhos e sua irmã. A família toda se estabeleceu no Itinga, na Baixada Fluminense. A princípio, eles voltariam para o Nordeste assim que a matriarca da família estivesse com sua saúde restaurada. Mas passaram-se​ anos e mais anos, e nenhum sinal de melhora. Geraldo começou a beber, bebia mesmo pra se embriagar... Para tentar em vão fugir daquele sofrimento! Quando ele bebia, inventava de espancar os filhos. Quando via Túlio na rua jogando bola, falava que ele não era vagabundo pra ficar correndo atrás de bola. Bêbado, chamava todos os filhos pro quarto, e começava a obrigá-los a estudar tabuada, passava problemas de matemática pra eles resolverem. Caso errassem nas contas, apanhavam, levavam palmatórias que chegavam a inchar as mãos. Uma vez, Suzana, que era bem adiantada na escola, foi obrigada pelo pai a voltar uma série. Tudo porque ela não soube fazer a conta que seu pai passou. Geraldo foi na escola falar com o diretor, dizendo que não tinha condições da filha continuar na série que estava, sendo não sabia resolver uma conta simples. Suzana regrediu uma série, chorando muito. Túlio e seus irmãos quando viam o pai bêbado já sabiam que iriam apanhar! Tinham o maior medo! Eles esperavam o pai dormir para assim poderem ir pra rua brincar. Túlio gostava muito de futebol, Suzana gostava muito de dançar rock, tinha muitos ídolos na música. Uma vez foi convidada por uma amiga de classe para sua festa de quinze anos, foi na festa com o pai. Durante a festa ficou com vontade de dançar com um menino que ela paquerava, mas não pôde nem conversar com o garoto. Só ficou do lado do pai, que a olhava bem séria e controlava seus passos. Túlio começou a beber escondido do pai nas festas dos parques com seu amigo inseparável, o Dimas ( filho de sírios, um grande amigo, quase um irmão, primeira amizade que Túlio fez assim que chegou ao Rio). O jovem percebeu que depois que bebia, ficava bem falante, não tinha mais vergonha de falar com o pai, não tinha mais medo de nada. Começou a achar aquilo a " maior maravilha"! Parecia viver uma outra realidade! Certa vez, falou com o pai na maior liberdade, disse que o pai era sofredor por ser Fluminense, e que time melhor que o Flamengo não tinha! " Olha, Coroa! Flamengo é o melhor e não tem pra ninguém! "

Geraldo achou o filho muito estranho, mas como também tinha bebido pegou no sono. Túlio ficou surpreso consigo mesmo! Jamais iria imaginar que falaria com o pai de igual pra igual. Mas quando passava o efeito da bebida, a triste realidade voltava. Só quem conseguia defender os meninos da fúria de Geraldo era a mãe deles, que mesmo doente protegia os jovens. Amália partia pra cima de toda a gente, só era boa com os filhos. Uma vez, no meio da madrugada, Geraldo acordou assustado com a mulher com uma faca apontada pra ele. Iria morrer naquela hora, foi Deus quem o livrou. Geraldo segurou fortemente o braço da mulher. Ela foi se acalmando aos poucos.

A penúltima surra que Túlio levou de Geraldo foi quando perdeu lá no Maracanã o rádio de pilha do pai. Esse dia foi triste, pois além de levar surra do pai também viu seu time "levar uma surra" do time do pai.

A última surra foi no dia em que ingressou no exército, já fardado. Sentiu-se muito humilhado! Trabalhou no quartel, depois decidiu viver sua vida longe do pai. Guardou do pai a mágoa, e herdou também dele o vício no álcool. Suzana casou a contragosto do pai. Túlio começou a cuidar da mãe, que também chegou a passar uma temporada na casa de Suzana. Ela acabara de ser mãe, e Amália cuidou com muito amor do netinho risonho. E a vida daquela família, antes tão unida, foi tomando outro rumo. As brigas, a loucura, a mágoa, o medo, tudo foi sendo a causa do distanciamento. Túlio nunca gostou de beber, só bebia realmente pra fugir dos problemas. Tolice pensar assim, pois assim que passa o efeito os problemas " acordam". E o vício é como uma corda que nos enforca. Túlio bebia demais, de cair. Só causava vexame. Nas compras de festas de fim de ano, só enchia o carrinho de supermercado com bebidas. Uma vez vendeu a bicicleta novinha de seu filho só pra beber. Incontáveis episódios de vergonha e humilhação. Até que Túlio percebeu que a bebida o estava deixando ausente na vida de seu filho. Não queria ser um pai distante, queria que seu filho tivesse a alegria que ele não teve. Foi educando o filho sem impor medo, queria que o filho soubesse que poderia contar com ele. E o filho era excelente na escola, muito inteligente. Mesmo tímido ( herdou a timidez do pai e do avô) sempre superou todas as adversidades. Quando Túlio decidiu parar de beber, contou com o apoio do filho e da esposa, que chegou a fugir de casa por não aguentar vê-lo embriagado. Deu sua palavra, palavra de homem! E daquele dia em diante não colocou uma gota de álcool na boca. Muito tempo depois, descobriu que seu pai já idoso estava trabalhando duro vendendo peixes pelas ruas da cidade com os filhos que teve de outro casamento. Resolveu comprar uma freezer pra dar de presente para o pai, mas só mandou entregar. Não teve ainda naquele momento coragem pra falar com o pai. O que só foi acontecer bem mais tarde, quando o filho de Túlio já estava com vinte anos. Muitos anos de mágoa, muito tempo mesmo!... O filho de Túlio só conheceu o avô paterno aos vinte anos.

Túlio foi até a casa da sua tia falar com o pai que lá se encontrava devido estar bastante debilitado com dores fortes de hérnia. No primeiro momento não teve coragem para olhar nos olhos do pai, coração acelerado. Mas aos poucos foi se acalmando, foi vendo a situação frágil em que Geraldo se encontrava. Disse ao pai toda a sua história de vida desde que saiu do Exército. Contou tudo em detalhes, os lugares que trabalhou, tudo o que fez da vida. Apresentou a Geraldo o neto. E a vida passou uma lição, a lição que a vida é um aprendizado. Nada acontece em nossa vida por acaso, Se a vida nos faz muitas perguntas, a melhor resposta é viver. É aprender com os erros, a mágoa é um erro. E erra quem só olha pra situação e não é humilde pra se colocar no lugar do outro.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 03/02/2020
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