O MENDIGO DA PRAÇA DO SEM MEDO

Morava ali, na Praça do Sem Medo, na Baixada Fluminense, um senhor maltrapilho, barba por fazer, gorro na cabeça, roupas rotas. Dormia em meio à sujeira da pequena praça, e sobrevivia comendo pães e bolachas que o dono da padaria, ao lado da praça, lhe dava. Também se alimentava da xepa da feira que se realizava ali todas as quartas-feiras. Era visto como maluco pelos moradores da localidade devido ao seu temperamento explosivo, sua mudança repentina de humor, além de algumas excentricidades. Tinha uma cara fechada, ranzinza, parecia um bicho do mato. Por isso lhe puseram o apelido de Índio. Vivia com um cachimbo velho e com uma camisa velha do Botafogo ( seu time de coração), saia pelas ruas catando papelão e latinhas. As pessoas, principalmente os jovens, zombavam dele. Quando conseguiam deixá-lo irritado, aí caíam na gargalhada. Índio xingava, saía com um pedaço de madeira atrás dos caras que o infernizavam​. Mas ninguém sabia da verdadeira história daquele homem, havia muitas histórias... Muitos diziam que ele trabalhava num circo que se instalou por um período ali na praça, e se desentendeu com o seu chefe e resolveu não mais fazer parte da companhia circense. Também contavam outras versões... Mas a história verídica da vida daquele mendigo, somente o dono da padaria sabia, pois era seu conterrâneo de Minas Gerais, da mesma região.

Índio, na verdade, se chamava Antônio Rosário Neves. Muitas manias que ele tinha, como usar as vezes saias, pintar o rosto como se fosse mulher, e outras esquisitices, tinham uma razão. Mas ninguém geralmente quer saber o que aconteceu na vida das pessoas, tudo tem um motivo... Muitos moradores de rua não estão ali porque querem. Não devemos julgar ninguém, não devemos rir, nos divertir da insanidade dos outros. O Seu João Vítor, dono da padaria, não gostava de ver Índio sendo motivo de chacota e gozação. Quando presenciava as cenas de humilhação sofridas por Índio brigava com os caras. Defendia, comprava a briga do amigo.

Um dia, no inverno, resolveu construir um pequeno cômodo nos fundos da padaria para que o Índio deixasse a praça, o relento, a sujeira, o frio da praça.

Comprou uma cama de solteiro, fez o quartinho, tudo organizado para o Índio morar.

"Pronto, meu amigo! Aqui você estará protegido do frio, protegido também da maldade dessa gente que não te deixa dormir em paz! "

Seu João tomou a decisão de construir o quarto, logo após um triste episódio, um ato de violência:

Numa madrugada, um carro passou em alta velocidade e o motorista começou a atirar a esmo.

Um dos tiros chegou a atingir o mendigo de raspão. Foi socorrido pelo comerciante, que naquele dia teve a ideia de fazer um quarto pro amigo sair da vulnerabilidade das ruas.

Índio, ou melhor, Antônio Rosário Neves foi um rico empresário do ramo de boates e restaurantes em Minas Gerais, bem-sucedido na região de Montes Claros. De repente, assim do nada passa a sofrer de esquizofrenia, e tem seu quadro agravado a partir do momento que descobre a traição de sua mulher. Ele começa a delirar, ele a amava demais... Trabalhou, lutou, suou pra realizar o sonho da esposa de ingressar na Faculdade de Medicina. Ele não aguenta, simplesmente surta, abandona tudo, abandona a vida que levava, a vida de um brilho que se apagou, esbofeteia a mulher, arranca o vestido dela, veste a roupa da mulher e abandona o lar. Deixa a ex-companheira com todos os seus bens e passa a ser um andarilho. Ao sair de casa, pega uma forte chuva torrencial. Lágrimas, vestido molhado pela chuva, escuridão da noite sem amor, luz dos faróis dos carros na estrada. Para num bar e toma uma dose de cachaça.

O atendente ri por causa de suas vestes e recebe uma cuspida no rosto.

Prossegue a viagem, prossegue a tristeza, ausência de luz na alma. Chega no Rio de Janeiro, e todos o vêem como um palhaço, como um maluco, um alcoólatra. Mas é ser humano que merece toda a atenção, pois foi vítima do desamor, da inveja, do triste lado, o lado B da vida.

Seu João Vítor o abraça, conheceu aquele homem ainda próspero, feliz, distribuindo pratos de comidas para os moradores de rua lá em Minas. Seu João foi muito ajudado pelo Índio, ele era um daqueles moradores. Hoje retribui toda a ajuda que recebeu, e se entristece ao ver o homem que o estendeu a mão estar daquele jeito. É triste...

Mas esta tristeza tem fim, pois quem faz o bem um dia será recompensado. Deus foi guardando este homem durante suas andanças até chegar ao Rio de Janeiro e encontrar aquele garoto de riso fácil que vivia na miséria com a família e hoje é um comerciante. Foi ele quem reconheceu o Índio, reconheceu o empresário Antônio Rosário Neves.

Quem um dia ajudou, hoje é quem recebe ajuda. Mas nós não somos nada, Deus quem nos usa pra ajudar as pessoas. Deus vê quem tem o coração aberto pra fazer o bem.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 19/01/2020
Código do texto: T6845413
Classificação de conteúdo: seguro