Pobre menino

Chorava aos gritos que mais parecia bicho. As veias tomavam a pele fina, a saltar pro mundo, e um sangue coloria em vermelho o corpo escuro. Se afinava em pranto, enquanto nascia ainda em casa, e a mãe um silêncio entoar. A casa de pau à pique nem casa era, nem chão tinha, nem leite e nem panela. Mas nascia. Nascia com a força toda do mundo, com a gana da sina, mal sabia. Vinha ao mundo pequeno, e pequeno vivia. Não tinha força, nem dinheiro, nem comida. Mas ia comendo, crescendo, e a mãe o silêncio ainda entoar. Um par de chinelo e um calçado velho, um caderno, e os olhos fundos a olhar os outros meninos, outros meninos a comer, a sorrir, a brincar. Toma sopa quando em casa chegar, dizia a mãe. A professora falava e ele anotava e já mais nada guardava. A escola parecia um carma, à tarde ia trabalhar. Trabalhava com empilhar madeira, suava de tanto pingar. Os dedos finos brotavam não mais fineza, mas uma grossura da pele que lhe rachava. Tudo lhe doía a alma. Mas se gargalhava que só. Corria com aquelas pernas magras e a bola chutava, a gritar. À noite, ó mãe. Em casa, ela desempregada, nem tinha deus nem ninguém pra ajudar. Lhe abraçava. Sentia no colo um calor tão seguro, tão bom, o calor da mãe. Quando muito, assim ressonava, sem luz, sem nada. Prometia protege-la, e ajudar no que precisar. O pai nunca apareceu, foi saber da barriga e sumiu. E o vô nem ninguém conheceu. Lembrava a mãe quando nunca mais o viu, ainda pequeno. Tinha sete. Corria na calçada e uma bala lhe atingiu. O vermelho novamente lhe cobriu o corpo escuro. Chorou a mãe seu resto de vida, todos os dias. Sozinha, naquela mesma casa, que o menino nasceu. O silêncio, então, não mais entoou. O silêncio virou pranto