PERFIL ELETRÔNICO
Cansado do marasmo que caracteriza a vida do aposentado sem atividade produtiva, Leonardo Vieira resolveu criar um perfil no Face book para trocar ideias com pessoas dos confins do mundo.
Arranjou um pseudônimo de impacto (pelo menos ele pensava assim), retroagiu a idade para vinte e sete anos, aumentou dez centímetros na estatura e deu-se de quebra músculos de fisiculturista e disposição atlética de maratonista.
Usou a fotografia de um cão pastor para justificar o pseudônimo – GUERREIRO FIEL.
Lançou o perfil na rede, distribuiu comentários em perfis alheios, fez postagens sobre os mais variados assuntos e aguardou.
Surgiram várias indicações para participar de comunidades e sugestões de amizade e, em bem pouco tempo, já colecionava uma galeria de mais de duzentos amigos.
Dentre esses amigos, havia uma pessoa – ANJO COR DE ROSA – que diariamente comentava suas postagens, mandava fotos de flores, pássaros, textos de autoajuda, orações e correntes.
Tornaram-se “grandes amigos de infância” e diariamente comentavam as publicações um do outro e das comunidades que participavam.
Dos assuntos em geral, GUERREIRO FIEL passou aos de cunho pessoal, fez as confidências e os mimos que antecedem um amor arrebatador, apesar de se sentir inseguro quanto à reciprocidade, mas a sua determinação seria capaz de vencer todas as adversidades.
O maior empecilho para marcar o encontro era a falta de argumentos que justificassem as mentiras que foram construídas ao longo do tempo.
Depois de muita conversa, finalmente marcaram o encontro na praça da cidadezinha do interior aonde o ANJO COR DE ROSA morava.
Vestido conforme o combinado e usando chapéu amarelo limão, Leonardo Vieira estacionou o carro perto do tanque com a estátua da deusa Diana Caçadora sobre o pedestal de onde partiam esguichos d’água para o tanque com nenúfares em plena florada.
Sentou no banco de cimento e aguardou com o coração batendo forte enquanto lia pela enésima vez o papel em que imprimira o e-mail com o endereço recebido na véspera do encontro.
Os minutos se arrastaram angustiantes e cada vez mais crescia em seu íntimo a certeza de que sua imagem decepcionara a expectativa da pessoa virtual, a quem se apegara como tábua de salvação para sua velhice improdutiva. Crianças brincavam pela praça, alunos de escolas passaram por ele em algazarra silenciada ao verem o ridículo chapéu amarelo limão de abas curtas e peninha vermelha na lateral...
Algo repetia dentro de sua cabeça, que ele deveria ir-se embora, que aquele encontro não passara de crueldade de jovem irresponsável e que servia apenas para aumentar a sua sensação de abandono.
Num quase delírio, desejou que a deusa Diana Caçadora acertasse uma daquelas flechas em seu coração para pôr fim na angustiante espera...
Absorto em pensamentos nem deu atenção ao idoso que estacionara o carrinho de bebê e que sentado, colocou a mão em seu joelho ao dizer:
- Desculpe pelo atraso, mas tive que ir em casa para trocar a fralda de ANJO COR DE ROSA, minha bisneta, antes do encontro com o GUERREIRO FIEL...