CHAMINÉ DO INFERNO

Sabe aquele interiorzão seco e quente como as portas do inferno, perdido no meio do nada em pleno semiárido Nordestino num finzinho de janeiro quando parece que o sol nunca se põe?

Pois bem, foi nesse local que, anos atrás fui dar com os costados depois do dia de viagem que teimava em não acabar naquela estrada longa como uma semana de fome.

Hoje com os meios eletrônicos de comunicação, quando tanto faz ir pessoalmente ou falar olhando para a telinha onde está a cara (rabugenta) dos clientes chatos, a vida do vendedor viajante tornou-se melzinho na chupeta.

Claro que ainda devemos visitar pessoalmente cada um dos clientes, afinal eles são o maior trunfo de um bom vendedor.

Cliente bem assistido compra qualquer coisa que o vendedor atencioso, e sempre presente, tenha para lhe oferecer.

Mas naquela época em que telefone celular não existia e a luz elétrica era apenas promessa de campanha de político vagabundo e ladrão, a coisa era bem diferente, sacrificante, com muito suor e poeira na cara por semanas inteiras no oco do mundo.

Brejo Seco fazia jus ao seu nome.

Local onde o diabo perdeu as botas, longe de tudo, mas o único local onde ao redor de muitos quilômetros eu poderia arranjar água para passar no rosto, comer alguma coisa e dormir.

Dormir o sono dos justos para aliviar a fatiga dos olhos causada por tantas horas dirigindo naquele cenário cinza brilhante sempre igual.

Para minha sorte, ou azar, naquele final de semana se realizava a vaquejada anual e a única pousada do lugar estava quase lotada.

Dona Quelé a dona da pousada alugava redes que ficavam estendidas no quarto com três metros de largura por oito de profundidade.

No lugar da janela, na parede dos fundos, caibros dispostos na vertical como grades e nas duas paredes laterais, aberturas para ventilação, começando na altura de porta.

Isolando esse quarto do salão de refeições, uma cortina de chita que noutros tempos tinha sido azul com flores vermelhas.

Aluguei a última rede que restava e pedi água para tomar banho, qualquer coisa para comer e depois ir dormir, porque das três pedidas, naquele momento, era a que eu mais necessitava.

A “casinha” ficava lá fora, quase de frente para a porta do salão de refeições.

Porta de madeira, dessas que deixam ver as pernas de quem está lá dentro e também do pescoço para cima de quem acabou de fazer o “serviço”.

Na parede dos fundos da "casinha", pendurados no cabide feito com tarugos de madeira, penicos de ágata para aquelas pessoas que não podem “serviçar” acocorados e atrás da porta, espetados num prego grande, vários pedaços de jornal velho à guisa de papel higiênico.

Dona Quelé mandou que Zarolho, o ajudante da pensão, botasse uma bacia de rosto com água, toalha, um pedaço de sabão caseiro e um caneco para mim.

A bichinha quase morre de alegria quando recebeu R$ 5,00 de gorjeta.

Apesar do calor a água estava fria que parecia saída de freezer.

Vesti roupa limpa e fui jantar.

Cuscuz com leite, farofa de jerimum com bode guisado. Um prato de coalhada com bolacha soda e um caneco de café com leite.

Para sobremesa, goiabada cascão com queijo coalho.

Sem ao menos escovar os dentes eu fui para a rede, mas o calor não me deixou dormir.

Tirei o pijama, mas não adiantou, porque naquele quarto com a ventilação prejudicada pelo primitivismo da construção, o calor era peça integrante e inseparável.

Com pouco tempo, eu estava molhado de suor e nem parecia que eu tinha tomado banho e que estava vestido apenas com a cueca.

Um vaqueiro velho que resolvera dormir mais cedo que os outros para estar bem descansado na manhã seguinte quando iria correr boi, pegou o caneco de flandres, desses cheios de dentes na borda que é para o cabra não beber nele, tirou água de uma jarra que tinha no canto do salão, montada num cavalete, molhou a rede até ela ficar pingando no piso malcuidado.

Amarrou outra vez o pano na boca da jarra, tirou as alpercatas e deitou-se até com o chapéu na cabeça.

Com pouco tempo estava roncando feito um porco.

Desesperado pelo calor, segui o exemplo do velho e molhei também a minha rede.

A sensação de bem-estar fez com que eu dormisse.

Algum tempo depois acordei com os galos cantando, pelos buracos das paredes laterais soprava a brisa matinal quente como se estivesse saindo da chaminé dos infernos.

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