DIGA-ME POR ONDE ANDAS… E FALAREI COMO FALAS
Beatriz acabara de sair do luxuoso prédio em Santo Cristo e que, valha-se o nome, erguia-se ali, suntuoso e solitário, em meio aos de escombros de lojas e casas naquele bairro abandonado. Discrepâncias de um país "desconcertado" que aqui ficaria melhor escrever com"s". Decididamente, a escolha da empresa que para ali mudara-se há pouco tempo e onde Beatriz dava esporadicamente aulas de idiomas, foi uma péssima providência. E, além disso, era justamente o nome da estação para a qual ela se encaminhava agora, a passos largos, pois as ruas, mesmo àquela hora da manhã, estavam desertas.
Decidiu então não arriscar e pegar um atalho, aliás, dizendo a bem da verdade, não foi ela que decidiu, foi mesmo sugestão da recepcionista da empresa.
” – Vai por dentro da Cidade do Samba, porque o carrinho que a gente pega para a Parada dos Navios não funciona essa hora”.
Beatriz já estava entrando no pátio interno entre os barracões das escolas de samba quando percebeu que conseguia ouvir seus próprios passos tão grande era o silêncio que se fazia, tanto quanto a distância que deveria ainda percorrer até a saída. De carnaval não se ouvia nada, só restara a fantasia, mas perigo também não havia. Só um dinossauro encarava dois índios agachados em posição de ataque enquanto o coringa da Unidos da Tijuca gargalhava do outro lado. Sem dúvida Beatriz tomara a melhor providência e poucos metros depois que saiu da "Cidade" chegou à estação. Sentou-se para esperar o trem (não soará tão charmoso, mas o nome é VLT, não sei se lhe poderia chamar de trem) e, assim como acontece com o prédio, Beatriz, considerava grotesca a exibição de sua modernidade desconcertante naquele lugar.
Enquanto esperava viu no alto, mesmo à sua frente, um jardim com uma casa ao fundo.
– É o Cemitério dos Ingleses.
Respondeu a senhora ao lado. Beatriz fitou encantada pois o reconhecia, não de vista, mas de letras que lhe mencionavam os livros que lia. Começou então a vir na memória os nomes de todos aqueles bairros à mesma velocidade que fazia o VLT e as páginas que as páginas percorria... Providência, Gamboa, Harmonia... olhou os sobrados e agora o cenário a fez encontrar personagens, homens com bengalas, chapéus e mulheres arrastando suas longas saias pelas calçadas. Estariam aquelas construções ainda ali até virar pó sozinhas protegidas por seus fantasmas?
É chegado o momento de parar, pois me preocupa outra coisa. A possibilidade do leitor se encontrar perdido no texto, pois a placa dizia "Diga-me por onde andas e falarei como falas". Admito que parece estranho, mas não há nada de errado, pois o lugar é esse mesmo, está tudo aqui, não houve desvio. É que este trajeto, digamos, o principal, não vinha nos pés, mas na mente de Beatriz que enquanto caminhava entre as alegorias por ele passeava e refletia, com breves interrupções é verdade, como as do cemitério por exemplo, mas lá estava ela concentrada em pensamentos na direção da placa.
"- Alan, você só vai conseguir falar o português compreensivelmente se separar as sílabas. Não tem outro jeito. É o ponto chave. É como uma escala. Aqui não há "rolls" nem "water" em que o "t" vira "r" e a língua enrola. Aqui a "á-gua" é linear. A língua é ritmada como a ba-tu-ca-da. Além disso, as vogais não tem duplo som, tem apenas um . Não tem "a" que pode soa às vezes "a" quanto outras vezes "ei" dependendo da palavra. É só "A" o tempo todo. Por isso é uma escala. Vai do tom maior, a boca escancarada, e pau-la-ti-na-men-te chegará ao tom menor, com a boca fechada... "U".
Beatriz passeava naquilo enquanto olhava o coringa. Essa associação que fizera hoje para seu aluno americano dava o que pensar, precisava percorrer as outras línguas, e ver se poderia virar teoria... ou seria mais uma indução de sua mente cheia de fantasia? Será mesmo que a forma como se fala e até mesmo a pronúncia da língua é influenciada pelos hábitos, cultura, maneira de ser e agir a ponto de se fundir...
...Sutis desenhos, pronúncia firme, linear, minimalista...Sim, o Japonês fala na horizontalidade, olhos e bocas rasgados, e a cada reverência no som, a coluna inclina. Basta esse respeito, pois pouco é o suficiente.
"¿qué libro estás leyendo?" ¿ Hããã?? " ¿ vai falar, parlar o hablar?" Tanto faz, Espanha é um país de três línguas lutando cada uma pela sua autonomia, a interrogação continua invertida e ali se peita tanto de frente quanto por trás. Na disputa, ganha a velocidade maior e se não conseguir pegar o romper das palavras é melhor que... "Callate la boca!"
"L'origine, La Madre, La Mamma, Il Papa!" Modernidades não maculam os algarismos romanos nem o italiano! "À Cesar o que é de Cesar!"Falar italiano precisa ser um marujo das emoções e com todos os gestos possíveis conduzir a língua à um mar aberto que tanto pode estar sereno quanto "da un attimo si agita e ti sorpassa" até que explodes de raiva...o passione. Nada é previsível.
”Sauve qui peut!”a chaleira de prata, o reinado, o frescor dos gestos e das palavras invocando l'amour sedutor na ponta dos lábios. O rebuscado fez do verbo uma gramática gourmet. Falar francês... tem que se apreciar o "tiré par les cheveux"
“Aller Anfang ist schwer” (todo começo é difícil) um mundo para orrdenarr, arrumarrr. São junções, disjunções, realocações de letras e palavras alterando a física dos seus sentidos para que os leigos precisem renascer para captarrr ;
Enquanto isso serpentes salpicam o deserto, vestidas de negro as dissimuladas letras árabes contorcem-se em vestes rudes, burcas e ondulam as areias brancas do Oriente.
O tempo passou muito rápido e já dentro da estação da Carioca a espera do metrô, Beatriz se apressou em resumir seus pensamentos sobre como atuar para falar bem qualquer cada uma das línguas. " - Sim, vou deixar para concluir mais tarde... " Ou nunca mais pegar, pois que a qualquer momento ela pode apagar ...
É que entre seus pés e sua mente muitos papéis, atalhos e destinos aparecem e desaparecem..