A CASA

Existem casas que as pessoas dizem que tem vida própria. Seus cômodos são impregnados da psicosfera de seus antigos moradores. As lembranças velhas são como o vento que sopra em todos os cantos. E os segredos. Sim, os segredos. Toda casa esconde segredos, os segredos de seus moradores. Em Campos, há uma casa assim. Todos que já passaram por ela reclamam de suas paredes. E alguns não conseguem mais sair dela.

A casa que dialoga com você sem você pedir; a casa que tem um pânico, uma alma que transita no meio dela. Uma voz que sussurra das paredes, uma imagem tênue, tão delicada quanto uma de suas moradoras. Madalene veio dos Estados Unidos e fixou residência em Campos. A mulher de meia idade, nascida no Arizona estava em Campos pelo projeto da universidade do Arizona. Eles estavam estudando a relação entre o bordado de Campos e o sistema de produção. Madalene veio coordenar o projeto junto com uma equipe de brasileiros. Madalene se apegou muito aos brasileiros. De certa forma, ela era considerada brasileira por tão se assemelhar aos brasileiros. Madalene alugou uma casa solitária que poucas vezes havia sido alugada. A casa da Rua do Fórum. Uma casa antiga que pertencera a um dos barões antigos de Campos. Madalene morava na antiga casa do prefeito Olegário. Olegário matou a mulher e se matou enforcado em janeiro de 1923. Nesta época Campos era uma cidadezinha.

Era verão em Campos quando Madalene Stuckless alugou a casa brasileira, ou, a casa do Barão. Era uma casa de sete cômodos. Três embaixo e quatro em cima. A casa era espaçosa e bem dividida. Em cima ficavam quatro quartos e um pequeno escritório onde o Barão fazia as contas. A casa era de madeira e alvenaria portuguesa legitima. Embaixo havia três cômodos mais a cozinha. Ao lado da cozinha uma saleta onde Sofia a mulher do Barão tocava violino.

A mulher de Olegário pôs na cabeça que o prefeito estava sendo infiel com uma moça chamada Bispo. Olegário e Bispo tinham um romance, a mulher de Olegário teve uma constipação nervosa e arruinou como diz seu Zacarias rezador velho. Então o homem não aguentou a pressão e matou a mulher; cortou em pedaços a esposa, e guardou os pedaços dentro da parede. Nesta época a casa cheirava a carne podre.

O barão e Sofia tiveram uma trama diferente. Sofia matou o barão com uma facada nas costas. Foi muito simples. Sofia jogou o corpo na fossa, depois encimentou tudo e pôs cacos de plantas em cima. Até hoje as pessoas não entendem a morte de Sofia. Ela se deitou e acordou morta. Dizem as pessoas que Sofia ronda a casa mais o barão. Em volta de seu pescoço haviam marcas de dedos. Mas, a polícia descartou homicídio porque ela estava só aquela noite.

Madalene entrou na casa durante o verão de Campos. As janelas eram sempre mantidas abertas, exceto, a do quarto onde Madalene dormia, pois, o ar condicionado era ligado quase o dia todo. Madalene morou um ano na casa e nunca viu nada, mas, aquele verão trouxe surpresas desagradáveis. O quarto de Madalene tinha um guarda-roupas embutido muito grande. Pelo guarda-roupas se entrava no banheiro suíte. De sua cama, por volta de uma da manhã, Madalene viu o vulto de uma mulher. Uma mulher bonita como uma noite de lua e estrelas. Ela estava em pé na porta que dá acesso ao banheiro. Depois a porta do banheiro fechou sozinha. Madalene passou a ver vultos e assombrações dentro de casa. Não havia mais um dia na semana sem que a mulher não visse alguma coisa. A proporção que estas imagens foram surgindo ela começou a entrar em depressão. No começo pensou ser ilusão mas com a regularidade ela entendeu que tudo era muito verdadeiro. Tudo conspirou, dia após dia, para que ela visse o vulto que falava das paredes. Aquela senhora branca de estatura média e cabelos castanhos caídos sobre os ombros jamais será esquecida. Madalene a viu na escada a primeira vez. Depois o espírito se apresentou a ela. Os dias de Madalene na casa foram de terror, Madalene foi encontrada morta ao pé da porta. Seu pescoço estava quebrado.

Eu, até, agora num vi nada. Estas são algumas das histórias que rodam a casa. A última vítima foi Madalene. E eu entrei aqui no verão de 2008, cuido da casa como se fosse minha. Ninguém me incomoda, ninguém me perturba. Moro aqui desde então, nunca vi nada. A casa do barão é um silêncio constante; um sossego que só é interrompido apenas pelos rapazes que trazem o leite, o jornal...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 05/12/2019
Reeditado em 22/01/2020
Código do texto: T6811809
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