NOGUEIRA

NOGUEIRA

POR ROOSEVELT V LEITE

Nogueira era um aposentado que vivia só. Sua esposa havia falecido. A pobre criatura morreu do coração. Morreu nova a mulher de Nogueira, e desde então o pobre homem mora só na Rua Getúlio Vargas em Campos. Sua casa tem um pequeno hall antes do portão e um quintal pequeno de muro alto. É uma casa pequena de dois quartos, sala, e cozinha. O banheiro era muito bom, limpo e espaçoso. Nogueira aprendeu a dividir seu dia em três partes. Das seis e meia ao meio dia. Do meio dia a seis da tarde. E das seis a nove horas. Nogueira era como um relógio. De manhã, ele estuda filosofia. A tarde ele assiste um vídeo, e a noite, assiste um programa de rádio na internet. Definitivamente, Nogueira amava a vida.

Nogueira fazia as mesmas coisas todo dia. Tinha dias que Nogueira invertia a ordem: de manhã tomava café as oito. Ele aproveitava o tempo livre para lavar o carro. O velho carro ficava no pequeno hall da frente antes do portão. Nogueira cuidava muito bem de seu automóvel e de suas coisas em geral. A casa era sempre mantida limpa; as roupas bem cuidadas, e os pratos limpos.

No quarto de dormir de Nogueira havia muitas fotos, tanto na parede da cabeceira da cama como na peça que ficava a direita da cama. Eram as recordações, fotos de parentes, filhos, netos, e amigos. Hoje, Nogueira percebeu algo que não havia visto antes. Como ele faz todo dia, foi ver, depois do café, as fotos do quarto. Havia um lugar vazio na coleção de fotos e o homem então foi tentar lembrar de quem era a foto. “É a que fica aqui perto de Carlinhos”. Carlos era seu amigo de infância que morrera em um acidente de carro. “Mas de quem é mesmo?” Nogueira olhou no chão para ver se alguma foto havia caído. Não, a foto não estava no chão. “Então, onde?” Pensou o velho Nogueira.

Nogueira sentou por um instante em sua cama, passou a mão na cabeça como se fizesse um esforço para lembrar, mas, infelizmente nada. “Onde é que foi que eu coloquei esta foto?” Mas a foto era de quem mesmo? Bem pensado. Nogueira não sabia de quem era a foto que estava faltando. O homem se levanta e olha para as fotos na esperança de lembrar. Mas. Nada. A imagem não surge em sua mente. “Mas de quem é a foto mesmo?” Nogueira procurou esquecer a foto por um instante e se ocupou com a sua rotina. A tarde ele foi mexer nos álbuns antigos. Olhou foto de todas as épocas até do tempo em que ele era um rapaz. Sua mulher costumava registrar tudo por isso nada passou em branco. Contudo, a que faltava no mural do quarto não foi achada. “Mas, ela aparece”. Pensou Nogueira.

No outro dia, pela manhã, Nogueira olha o mural de fotos. O lugar da foto desaparecida estava lá, no entanto, não faltava apenas ela, agora, a de seu filho Bergue também havia sumido. “Oxente!” Exclamou Nogueira. “Onde se encontra a foto de Berguinho?” Desta feita não apenas a foto misteriosa havia sumido, mas a de seu primeiro filho que atualmente morava em Aracaju. Berguinho era um bom rapaz que se formou em eletricidade e conseguiu um emprego na capital. Bergue era um orgulho para seu pai. A única preocupação de Nogueira com esse filho era o ataque de epilepsia. Nogueira sempre quando o ver o lembra do remédio. “Tá tomando o remédio, Bergue?” Agora eram duas fotos sumidas. A primeira, Nogueira não lembra de quem é, a segunda era de seu filho engenheiro. “Mas, o que houve?” Interrogou nogueira a si mesmo. “Ontem a foto estava aí!” “Mas, será que estava mesmo?” Nogueira olhou com atenção todas as fotos, as contou duas vezes e disse em alta voz: “Tá tudo aqui”. O homem ocupou seu dia como antes. Fez suas atividades, caminhou na praça do cruzeiro, foi fazer a barba. E depois voltou pra casa às cinco e meia. Ligou a internet numa estação de rádio local e passou a ouvir o noticiário. A rádio dizia assustadamente: “Foi dado parte o sumiço de duas pessoas”. O ancora continua: “Duas pessoas sumiram em plena luz do dia. Uma comprava café na barraca de seu Martins e outra dava aula no quarto ano do João Cesar”. A professora, ao sumir, dizem as testemunhas, disse ‘aleluia’”.

O velho Nogueira ouviu o noticiário com atenção e depois especulou consigo mesmo: “Será isto o arrebatamento da Igreja tão pregado pelos protestantes?” Nogueira professor velho sabia de tudo sobre o arrebatamento e que se fosse o mesmo duas pessoas apenas não sumiriam, seriam várias pessoas. “Então, se não é o arrebatamento, o que é isso?” Nogueira não associou o sumiço das pessoas com o sumiço das fotos e foi dormir aquela noite com a mente cheia de coisas. No outro dia, pela manhã, foi ver as fotos e faltava uma terceira. Agora, era a foto de sua irmã preferida. Maria Angélica, simplesmente, havia sumido da coleção de fotos. Angélica nasceu em 1946; quando Nogueira nasceu ela tinha somente quatorze anos. A menina se apegou ao Nogueira quando ele era recém-nascido, e passou toda sua vida cuidando dele. A maior tristeza de Nogueira foi quando ela foi morar em Mossoró. Esse tempo Nogueira lembra muito pouco. Um ano e meio sem Angélica foi muito ruim para o menino Nogueira que era muito apegado a ela. As fotos foram sumindo, desta feita a de sua amada prima Cecília havia sumido e a rádio anunciava mais sumiços na cidade. Nogueira brincava com os primos na casa da Antônio Sales. Naquela época, os meninos todos se reuniam naquela casa. Aquela fora uma das épocas de ouro de Nogueira. “Mas, o que é isso?” “Por que minhas fotos estão sumindo e as pessoas da cidade?” Nogueira não via relação entre o sumiço das fotos e o sumiço de pessoas na cidade. Mas sabia que tudo estava muito estranho.

Nogueira acordou aquele dia um tanto enjoado. Alguma coisa havia feito mal ao homem. Parece que o feijão requentado ofendeu o moço. O rapaz olhou as fotos, como de costume, tinha sumido mais duas. Suas fotos estavam sumindo uma a uma e o povo da cidade também. Agora a rádio noticiava que um rapaz saia da rodoviária e simplesmente sumiu deixando o ônibus sem motorista. Isto chocou a pessoas. A rádio dizia: “Os sumiços em Campos continuam e se tornam cada vez mais frequentes. “E agora?” Questionou Nogueira. O moço nem procurava mais saber quem levou suas fotos. O que ele notava era apenas o sumiço. Mas quando a foto de Maria Claudia sumiu tudo mudou. A mulher de Nogueira ocupava a parte central do mural. Ali havia muitas fotos da vida dos dois, fotos do casamento e fotos do dia a dia. “Mas, num pode uma coisa dessas?” “Onde estão as fotos dela?” As fotos de sua esposa haviam sumido, agora pouca lembrança restava para Nogueira.

Nogueira não sabia mais onde as fotos estavam. Parece que Nogueira esqueceu de tudo. Sua irmã predileta voltou. Ele não sabia o porquê que ela passou a morar com ele. Mas ela falava muito pouco. Nogueira não se interessou mais pelos sumiços, nem procurou mais as fotos. Nogueira não ligou mais o rádio. Nem foi mais a praça, nem fez mais a barba. Agora Nogueira fica sentado no hall olhando para o portão. O carro de Nogueira ficou sem uso. Nogueira tinha muitas lembranças naquele carro. Mas tudo se foi até as lembranças. Nogueira não sentia mais vontade de falar. Nogueira só estava ali...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 05/12/2019
Código do texto: T6811418
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