A CAIXA

A CAIXA

POR Roosevelt V Leite

Hoje acordei as seis e meia. Na verdade, eu acordo cinco e meia de segunda a sexta. Mas hoje eu não fui trabalhar. A greve, segundo o sindicato, era uma questão de vida ou morte, então eu aceitei e entrei em greve. As seis e meia eu estava em pé. Liguei o computador para ouvir qualquer coisa na internet, lavei o rosto e fui preparar o café. Pão com ovo e café preto. Enquanto eu fazia as coisas a mente funcionava um pouco lenta devido ao resto de sono que ficou para ser dormido. Os repórteres do programa esquerda viva anunciavam a libertação do Presidente. Minha mente estava hora na notícia e hora devaneando sobre a noite passada. Eu nunca vi uma coisa daquela. Uma caixa que ninguém pode abrir. Sim foi isso que encontrei a porta de minha casa quando a campainha tocou. Um caixa de madeira pintada de preto. Ela era uma pequena caixa com cerca de palmo e meio de cumprimento, um palmo de largura e quatro dedos de altura. A caixa não tinha cadeado, ela foi fechada de uma forma que ninguém consegue abrir. Eu tentei de tudo. Tentei até arromba-la com uma chave de fenda e um martelo. Quando a vi no chão, logo a trouxe para dentro de casa, a pus sobre a mesa, a observei por alguns instantes, e procurei a abri-la. Nada feito, até agora de manhã, nada.

Sempre quando estou só eu falo sozinho. Naquela noite eu conversava comigo mesmo sobre de quem seria aquela caixa e porque eu fui o escolhido para recebe-la. Mas não cheguei a nenhuma conclusão. Pensei um instante: “Se eu tivesse um aparelho de raio X”. Balancei a caixa e vi que havia papeis dentro dela. “Seriam cartas?” Lembrei-me das cartas de Maria Clara. Ela sabia muito bem falar de seus sentimentos, e eu, um pouco acanhado, dizia pra ela do meu amor. Foi um tempo muito bom. “Mas, por que esta caixa não abre?” Pensei alto. “Vou quebra-la”. Realmente me passou pela cabeça quebrar a caixa. Peguei o martelo, a pus no chão do quintal que era cerâmica, e comecei a bater nela. As pancadas riscaram a madeira da caixa, mas, ela não quebrou. Depois a joguei no chão e nada, a maldita caixa não me dava uma chance. A pus novamente sobre a mesa e fui fazer o jantar.

Jantei na cozinha e de lá eu observava a caixa. “Rapaz, quem me mandou esse trem?” “Terá sido Chico, o vereador?” “Ou Rodriguinho do jogo do bicho?” “Sei não, e por que eles me mandariam uma caixa que não abre?” Levantei-me da cozinha e fui a sala, sentei a mesa, e comecei a prestar bem atenção a caixa. Ela não tinha encaixe. Era tão bem feita que parecia um pequeno baú sem emendas, uma peça só. Com certeza a caixa não era para abrir. Passei a mão sobre a caixa como se fosse uma criança danada e fiquei a pensar. Minha menina estava muito bem, quase terminando o curso de Pedagogia, estava trabalhando como estagiária e bebendo muito pouco. Pensei nos tempos juntos quando, no quintal, conversávamos sobre assuntos diversos. Vi o quanto eu estava só. Essa parte me fez se levantar e ir até o quintal. No quintal a lua estava cheia. O céu limpo sem nuvens dizia que era mais uma noite de verão em Campos. “Meu Deus, o que tem dentro daquela caixa e por que me mandaram ela, quem?”

Voltei para dentro de casa determinado a esquecer a caixa; pensei em me deitar cedo e fui me deitar. Eram nove horas quando me deitei. Da janela do quarto eu via a lua. Tentei fixar o olhar na grandeza da lua, mas, a mente não conseguia esquecer a caixa. Virei de lado. Dei as costas para a janela e fechei os olhos, mas, a maldita caixa de volta na minha mente; me levantei, calcei o chinelo e fui para a sala. Foi aí que tive a ideia de ir lá fora para ver se não havia mais coisas com a caixa, tipo uma chave qualquer coisa. Fui lá fora, olhei ao redor e o chão estava limpo, porém em um jarro de planta estava um pequeno bilhete. “Aperte forte bem no meio da caixa”. Apertei forte no meio da caixa mas a mesma não abriu. Tentei de novo e nada, parece que as marteladas quebraram o mecanismo. Tentei mais uma vez e nada. Deixei a caixa sobre a mesa e fui ao banheiro.

Foi no banheiro que tive a ideia de levar a caixa para alguém quando amanhecesse. Eram onze horas. Fui deitar e deixei a caixa pra lá.

Terminei de tomar café e me dirigi para a sala onde estava a caixa. A internet marcava sete horas da manhã. Passei a mão na caixa e disse baixinho para ela: “Hoje você abre”. A ideia era levar a caixa para seu Agenor. Em Campos se dizia que o que Agenor não resolvesse ninguém resolveria mais. Deixei a caixa sobre a mesa e fui me trocar.

Levei a caixa para Agenor. O moço usou de todas as suas técnicas e nada da caixa abrir. “Isto num abri não”. Esta foi a confissão de Agenor, o mestre havia perdido. Levei a caixa de volta para casa. A pus sobre a mesa e fiz de conta que ela não existia mais.

Assim passei o dia de greve. Pensei nos dias de folga também. Seria um tempo bom para refletir sobre as coisas. Depois que o sessenta chegou agora tudo é diferente. Estes vão ser uns dias de muita conversa comigo mesmo. A caixa nunca abriu, mas, com o tempo e a boa convivência ela virou uma parceira inestimável.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 26/11/2019
Reeditado em 21/12/2019
Código do texto: T6804516
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