O BURACO DO MUNDO
O BURACO DO MUNDO
Por Roosevelt V Leite.
Havia chovido muito a noite passada. O moradores do condomínio Boa Vista ficaram em casa, pois a chuva não deixou ninguém pôr a cara na rua. Alguns até rezaram, pois a chuva parecia o fim do mundo. De manhã, como de costume, o povo nas calçadas comentava sobre o buraco que aparecera na rua principal do conjunto. Era um buraco realmente fundo, tão fundo que não se via o seu fim. Os moradores atualizaram a conversa do dia falando sobre aquele buraco. Uns diziam que era o fim dos tempos, outros diziam que era culpa da prefeitura, e ainda outros comentavam que aquilo era um castigo de Deus. Na verdade, o buraco estava lá e arrebatou a curiosidade de adultos e crianças, que em pé defronte o mesmo davam asas à imaginação e as explicações variadas.
Por volta das oito horas da manhã quando o povo começava a se envolver com seus afazeres uma fumaça negra sai do buraco com um cheiro muito forte. O mesmo parecia cheiro de carne podre misturado com escapamento de carro. O povo que, lentamente, voltava para casa tornou a comentar sobre o buraco e a reclamar da prefeitura. Alguns diziam que era o esgoto, outros diziam que não era nada disso porque a profundidade do buraco era grande, e o esgoto ficava mais perto da superfície. Assim o povo se debruçava em explicações diversas e nada dos agentes do município aparecerem no local. Um senhora idosa dizia que isso era um absurdo.
Às dez horas, chegam os funcionários da Companhia de Esgoto e Saneamento Básico. Os homens ficaram admirados com o tamanho daquele buraco. Logo em seguida a polícia surge tocando a sirene; alguns moradores, estranhamente, vão para casa. Os policiais junto com o povo não sabiam que coisa era aquela. Um soldado afro descendente atribui tudo aos exus dizendo que era uma cobrança da justiça divina: “Isso é coisa do tinhoso”. Outro, de origem protestante, diz que era a volta de Cristo: “E haverá sinais no céu e na terra”. Na verdade, ninguém sabia o que era aquilo; a única coisa que tinham era que um buraco muito grande estava ali.
Os repórteres da rádio local finalmente aparecem na cena e com eles mais especulações são feitas. Agora, o povo, a polícia, a prefeitura, e a imprensa, todos reunidos, diziam o que pensavam sobre aquele misterioso buraco que foi batizado como “o buraco do mundo”. Mas, algo, muito mais estranho estava para acontecer. Em meio as diversas vozes e opiniões, ouve-se um gemido fino que tinha como origem o fundo do tal buraco misterioso. As pessoas param, o silencio toma conta do lugar. O gemido continua e ainda mais forte. As pessoas entraram em pânico achando ser a voz de alguém que caíra no sinistro buraco. “Uma senhora forte, de peso considerável, desmaia após pedir socorro para a suposta vítima, contudo, as pessoas nada viam, exceto o buraco. Agora, havia uma pequena multidão e muito empurra-empurra pois, a curiosidade havia aumentado. A polícia cerca o buraco com fita amarela como nos filmes americanos. O gemido continua intercalado de sete em sete minutos. O povo calado, sem poder mais se aproximar tenta ouvi-lo e quem sabe identificar a voz. Outra senhora, desta feita, uma anãzinha desmaia de emoção e é removida do lugar. Definitivamente havia algo muito estranho em Campos naquele dia de sexta feira.
Os repórteres diziam que algo inusitado havia acontecido em Campos, uma cratera feita pela água assombrava os moradores do Boa Vista e que as pessoas insistiam em crer que havia gente dentro porque vozes foram ouvidas. A polícia se retirou do local para atender um chamado deixando no lugar o cabo Peixoto. Os gemidos ficaram mais altos, e o povo com eles se espantava e pedia a Peixoto que fizesse alguma coisa. O rapaz permaneceu calado cumprindo a determinação de seus superiores. Os gemidos, agora, ficaram mais intensos. Em três e três minutos eles podiam ser ouvidos nitidamente. As autoridades tentavam ignora-los mas o povo não se deixava enganar; eles eram reais. Mas, afinal que gemidos eram aqueles? O professor Nogueira, especialista em Ciências da Computação, alegou que os gemidos eram o ar saindo dos canos de água, uma vez que a água fora cortada. Mas esta teoria em nada acalmou o povo que dizia desta vez que era um milagre pois a sombra da Santa fora avistada a beira do espantoso buraco.
Perto do meio dia, a pequena multidão se retirava. As pessoas haviam matado a curiosidade certamente, mas um grupo de moradores permaneceu fiel ao espírito curioso. O Cabo Peixoto tentava se esconder do sol debaixo de um pé de juá e como ele muitas outras pessoas se abrigavam do sol forte de Campos. Foi nesse momento, que o buraco pregou mais uma peça na comunidade. As bordas do buraco se contraíram, e o buraco enrugado como uma grande cloaca faz tremer o chão de Campos; o buraco libera um vapor insuportável como se fosse flatulência. As pessoas reclamaram do cheiro que parecia de carne podre e escapamento de carro; elas tentavam prender a respiração para não respirar o gás asqueroso. O cabo Peixoto se aproxima da borda do buraco para investigar; uma voz estrondosa sai do mesmo:
- Oi cabo! Peixoto pega na sua arma como se fosse usá-la. As pessoas gritam apavoradas com a voz.
- Não se pode destruir o que não se ver. As pessoas se espantam com seus fantasmas. Isto é apenas um humilde buraco. Se a curiosidade era tanta, agora as pessoas estavam possessas por ela. Alguns correram para chamar parentes e amigos, outros se aproximaram como puderam para ver o buraco falante e o cabo Peixoto.
Em Campos, as coisas acontecem de forma sempre singular. Certa vez um papagaio deu aula de francês na Avenida Sete de Junho para todos que estavam presentes, outra vez um jumento se candidatou a vereador pelo partido liberal, e numa cidade próxima a Campos, um bode disputa um lugar na entrada da cidade com a Santa local. O buraco sabia tudo sobre Peixoto. Sabia de sua vida, de suas andanças pelo mundo, suas aventuras e falcatruas. O pobre homem ficou muito envergonhado. Houve momentos que o soldado quis se exaltar.
- Não, Isso não é verdade! Nunca tive nada com os meninos do Amadense futebol clube! Eu sou muito macho! No entanto, o buraco insistia em contar tudo que sabia sobre ele e sobre as demais pessoas que estavam lá. Com o tempo, o povo se cansou do buraco e ligava diligentemente para a prefeitura para o aterrarem. A prefeitura disse que não podia aterrá-lo naquela dia. Seria preciso a máquina.
O buraco libera mais gás e o povo começa a passar mal. Uma moça de trinta anos incorporou Pomba-gira na praça do conjunto e dava risadas e requebradas no meio do povo. Ela não podia ver um moço que não dissesse: “Gostoso”. Uma senhora gorda precisou ir ao banheiro se limpar. A prótese dentária de um senhor careca saiu de sua boca e mordia o ar. O maldoso buraco começou a arrotar. Cada arroto era seguido de uma risada. As crianças achavam engraçado e riam, os adultos se comportavam de diferentes maneiras. Um senhor negro baixinho dava pulos e cambalhotas dizendo: “dai-lhe nele”.
No outro dia, os condôminos acordaram com o barulho de máquinas e caminhões. Era a prefeitura que tinha vindo aterrar o trevoso. Mas, algo muito estranho aconteceu. As pessoas acordaram querendo que não aterrasse o buraco. O povo fez um círculo em torno do buraco. Os funcionários da prefeitura diziam que era fundamental que o buraco fosse aterrado, todavia, o povo do conjunto estava seduzido por ele. “Este buraco é meu e ninguém aterra”. Outros gritavam: “Salve o buraco do mundo”. Dona Carmelita dizia: “Este buraco mudou minha vida”. A prefeitura chamou a polícia. O delegado regional de Campos veio acompanhado de três soldados, e um deles era o cabo Peixoto. Quando o cabo Peixoto se aproxima do buraco o povo se emociona. Uma moça em prantos dizia: “Salve o buraco de Peixoto”. A polícia que veio resolver o problema lavou as mãos. O delegado regional tratou muito bem o buraco e não proferiu nenhuma palavra de insulto, ao contrário, ele disse educadamente: “Bom dia!” Mais uma vez o buraco forma uma cloaca. Ela se enruga e solta um gás cheiroso que parecia com perfume de rosas; logo em seguida, o mesmo se contrai fazendo suas bordas caírem para dentro. O povo corre com medo e grita “coitadinho do buraco”.
Sim, meus amigos, foi em meio a esta confusão que eu acordei aquela manhã depois de uma noite de sono profundo. Logo de manhã, olhei pela janela de minha casa para ver se havia um buraco no meio da praça do conjunto. Tomei banho, pus a farda, tomei café, fiz minhas preces aos Orixás, e fui para a delegacia...