O Mestre
Algumas lembranças me reportam ao passado com mais ou menos intensidade, mas essa dá a impressão de que tudo ocorreu ontem, mesmo tendo se passado mais de cinquenta anos.
Assim constatava Adriano sempre que lhe vinha a mente aquela cena.
Sempre era formado um alvoroço quando aquele lunático, mas carismático mendigo, aparecia na porta do colégio. E o colégio não era um qualquer. Era nada mais nada menos que o tradicional Colégio Pedro II.
- Qual o seu nome? – Era a pergunta constante que os estudantes não cansavam de lhe fazer.
- O meu nome não é tão importante. O conhecimento sim. – Dizia quando perguntado e ria meio alienado.
Pela educação e sua delicada maneira de tratar a todos, a garotada não se dando por feliz com aquela repetitiva resposta, acabaram batizando-o de Rosa Branca e comunicaram-lhe a decisão.
- Isso mesmo, Rosa Branca. Assim iremos chamá-lo doravante.
- Ótimo, muito bom, gostei do nome. – Respondeu ele. Se isso vai satisfazê-los, que assim seja então.
Naquela época, sempre no início do mês lá estava ele, o negro mal vestido, com cabelos e barba desgrenhados, mas limpo e sem cheirar mal, fazendo seu lanche na padaria da esquina, pago pelos alunos – depois é claro de ter tirado todas as suas dúvidas.
Isso mesmo. Todo mês, ao término de cada prova, a garotada corria ao encontro dele. Fosse a matéria que fosse lá estava ele a ensinar como resolver a questão duvidosa. Suas respostas eram sempre corretas. Nada sabiam a seu respeito, onde vivia ou de onde vinha, a não ser sua condição de mendigo e as crises de total alienação pelas quais às vezes passava. Entretanto era inegável que aquele homem era possuidor de grande conhecimento.
Por diversas vezes Rosa Branca dedicou um tempo para ensinar algumas matérias àqueles alunos que ele parecia gostar, tendo inclusive numa ocasião alertado ao professor que este tinha se enganado ao ensinar uma fórmula erradamente, impedindo assim que os alunos conseguissem desenvolver tal raciocínio.
Já estavam tão acostumados com a presença daquele homem, que praticamente sempre que ele aparecia cuidavam dele. Ao notar que suas roupas estavam muito surradas traziam outra para ele se trocar.
Nesse momento de nostalgia, Adriano recordava os últimos dias daquele convívio.
Naquele mês Rosa Branca não apareceu em nenhum dia, nem para o lanche costumeiro. Sentiram sua ausência.
- O que terá acontecido? Por onde andará o Rosa? – Era a pergunta que não calava.
Até o dia que Arildo, um dos alunos, chegou e os mostrou uma reportagem. Na terceira página do jornal, bem embaixo e no canto, quase invisível, estava a foto de Rosa Branca e a triste notícia.
“Reaparece morto, depois de vários anos desaparecido, o físico brasileiro radicado na França. Sua morte e a forma como vivia nos últimos tempos ainda é um mistério para seus familiares e autoridades”.
Dizia a simples nota e nada mais. Sem se quer seu nome ser mencionado, numa clara falta de apresso e respeito para com aquele homem.
Revoltados com a insignificante reportagem, um dos alunos externou alto seu pensamento.
- Tenho certeza de que se ele não fosse negro, tudo seria diferente e a história teria um outro enredo.
Logo em seguida, um outro complementou.
- A medir por essa reportagem sem nenhum valor, para eles morreu mais um simples negro que talvez tenha sido físico por acaso.
Contudo, para Adriano e, tenho certeza, para seus amigos daquela época, Rosa Branca será eternamente o Mestre dos Mestres.