A Conversa
O homem barbudo, de pijama listrado, que acabara de entrar na sala de estar, não era um prisioneiro de campo de concentração, embora a roupa ostentasse algumas manchas escuras suspeitas. Sentada junto à janela que dava para o jardim, vestida de negro, a esposa ergueu os olhos do livro que estava lendo e o encarou, expressão meditativa.
- Não sei se deveria perguntar isso, mas você agora vai ficar de pijamas o dia inteiro?
- É a minha roupa de trabalho - declarou ele, abrindo os braços como quem pede desculpas.
- Na Índia, talvez seja uma roupa de trabalho... aqui, está mais para uniforme mesmo - avaliou ela, olhar crítico.
- É confortável, sem dúvida - argumentou ele. - Imagino que haverá um dia em que as pessoas trabalharão em casa, e usarão pijamas... exatamente como eu.
Ela ergueu um sobrolho.
- Creio que a maioria das pessoas não é como você, meu querido - replicou, juntando as mãos no colo. - Artesãos, talvez, possam trabalhar em suas casas... como aliás, o têm feito por boa parte da história humana. Mas imagine um escriturário ou um professor... como desempenhariam suas funções sem estar fisicamente presentes em seus locais de trabalho?
Ele levou a mão à barba, pensativo.
- Por... telefone, talvez! - Exclamou.
A esposa riu, separando as mãos.
- Essa sua imaginação... é por isso que eu te amo tanto!
Ele lhe deu uma piscadela.
- Eu também te amo muito...
Ela tornou a juntar as mãos, ar matreiro.
- Só não me ama mais do que pintar, correto?
Ele abriu as mãos, parecendo ter sido pego em falta.
- Pintar é o meu vício, amor.
Ela ergueu-se, pôs o livro fechado na cadeira e inclinando-se sobre ele, o beijou na face.
- Vá se lavar, Matisse. Almoço em meia hora - avisou, antes de sair do recinto.
- [28-10-2019]