DICIONÁRIO DO AURÉLIO.
DICIONÁRIO DO AURÉLIO
Tenho um amigo, semi-analfabeto, que trabalha numa empresa de vigilância há muitos anos. Nesses novos tempos de estudos universitários, a mulher do sujeito resolveu estudar e fazer faculdade, deixando-o para trás em termos culturais.
A freqüência escolar deu a ela uma nova visão e passou a conviver com pessoas de um nível cultural maior. E a dedicar aos estudos, quase integralmente, na busca por melhores horizontes e de uma vida mais digna.
As aulas na faculdade começaram a exigir dela mais tempo e mais dedicação aos estudos, tendo com isso constantemente ter que se ausentar de casa para poder fazer os trabalhos escolares e consegui um bom aproveitamento nos estudos.
Essas ausências constantes, além das necessárias para assistir às aulas, deixando o lar sob a guarda do marido, assim como o cuidado dos filhos, começaram a gerar atrito entre os dois, ela e o marido, embora não houvesse nada que pudesse levantar ciúmes dele. Somente o fato dela ter que se ausentar constantemente.
No trabalho, por morar numa cidadezinha do interior, ele permanecia o dia todo, voltando para casa somente no fim do expediente. O almoço era feito no próprio local de trabalho. Todos os dias um de seus filhos ia deixar a comida no local de trabalho do pai.
Certo dia, entretanto, o sujeito resolveu ir para casa na hora do almoço, mesmo tendo recebido a comida no trabalho como de costume.
No interior, geralmente, as portas das casas ficam abertas, se tem alguém em casa, pois a violência, mesmo existindo, é mais branda e ainda há uma certa confiança entre as pessoas. Assim, quando chegou em casa a porta estava aberta e ele entrou sem ser notado.
Quando chegou na porta da sala, antes mesmo de ser notado pela mulher dele, ouviu-a conversar com outra pessoa por telefone. Por um motivo qualquer ficou escutando a conversa, em dado momento a mulher fez o seguinte comentário:
- Não, por mim eu prefiro o Aurélio.
O sujeito ignorante, não sabendo de quem, até mesmo porque não sabia qual era o conteúdo do assunto, pois ouvia apenas a fala da mulher dele e não a de sua inter-locutora, mesmo assim já ficou meio furioso, não anunciou sua presença e continuou ouvindo a conversa, que se desenrolava em torno da preferência por um tal de Aurélio.
Terminada a conversa, ele, um sujeito brabo, desse matuto bruto todo, já entra na sala disposto a dar na mulher de botá-la pra fora de casa, pela preferência sentimental que ele chamava que ela tinha por outro. E partiu para cima dela dizendo e disposto a tudo:
- Eu sabia que esse negócio de estudar ia dar nisso.
- Nisso o quê? Indagou ela normalmente.
- Nisso, tu já arranjaste um macho por lá e está me passando chifres, me fazendo de besta. Ainda tem o descaramento de telefonar de dentro de casa, aproveitando a hora que não estou aqui e o menino saiu para deixar minha comida.
- Estás ficando louco? Eu te passando chifres? Me respeite, que não sou que estás pensando, não.
- Pensa que não ouvi tua conversa aí no telefone. Falando com um sujeito e dizendo das tuas preferências.
- Que preferências?
- Não se faça de doida. Não queira me fazer de besta mais ainda, já não basta o chifre que me puseste?
- Que chifre cara? Estás louco?
- Louco eu vou ficar se tu não me contares agora mesmo a verdade.
- Mas que verdade? Não estou entendendo nada.
- Tu neste instante, não vai querer negar agora, não estavas falando com um tal de Aurélio e dizendo que preferia ele.
- Que Aurélio que eu preferi seu imbecil. Ou sujeito ignorante, o Aurélio que eu estava me referindo era um dicionário. Vai estudar para deixar de ser burro e não botar minhoca na cabeça. O sujeito ser ignorante dá nisso. Fica botando coisa na cabeça. Aliás, fica a pensar que eu boto coisa na tua cabeça. Eu estava comentando com uma amiga que preferia o dicionário do Aurélio, enquanto ela dizia que preferia o do Houaiss ao do Aurélio.
O sujeito ficou por ali, meio acabrunhado, mesmo assim disse:
- Olha se isso não for verdade, vou procurar esse dois sujeitos e mato todos os dois.
HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO
OUTUBRO 2007