Olho puxado por olho puxado
Sentado à escrivaninha em seu gabinete, August Perkins releu, exasperado, a lista datilografada que o secretário, de pé à sua frente, havia lhe entregue.
- Não temos mais ninguém para oferecer? - Indagou por fim.
- Colocamos todos os nomes que os japoneses pediram, senhor - explicou o secretário. - Alguns residem na América há décadas e é duvidoso que queiram ser repatriados, mesmo considerando que estão agora em centros de internação compulsória...
- Vamos ter que perguntar, de qualquer forma - ponderou o diplomata. - Ainda vivemos numa democracia, diferentemente do país de onde eles vieram.
- Sim, o Departamento de Estado fará um levantamento completo em todos os centros de internação, senhor - assegurou o secretário. - Muitos poderão querer voltar ao Japão, já que agora são tidos como inimigos da América.
- E como tal estão sendo tratados - replicou o diplomata. - Mas o problema continua. Supondo que muitos destes nipo-americanos não queiram ser... repatriados... já que, tecnicamente, o Japão não é seu lar, o que poderemos oferecer em troca aos japoneses, pelos nossos nacionais que lá estão, enfrentando situações terríveis em campos de concentração?
- Bem, senhor... no acordo que intermediamos através da Cruz Vermelha Internacional, a paridade deve ser respeitada: trocamos um prisioneiro por outro prisioneiro. Infelizmente, não podemos exigir que um empresário ou diplomata japonês equivalha a vinte ou trinta americanos...
- Estou plenamente ciente disso, - retrucou o diplomata - o que não resolve a situação. Por conta da importância dos EUA e dos nossos negócios por todo o mundo, possuímos hoje muito mais americanos em território inimigo do que japoneses nos Estados Unidos.
O secretário entrelaçou as mãos à frente do corpo.
- Se me permite, senhor, tenho uma sugestão à fazer que talvez nos permita equilibrar o jogo.
- Adiante! - Incentivou-o Perkins com um aceno.
- Como bem lembrou, somos uma democracia e não nos cabe deportar cidadãos americanos para um inimigo cruel... mesmo que estes cidadãos sejam de origem japonesa. Todavia, não somos o único país das Américas que possui uma expressiva população oriunda daquele país... há muitos japoneses no Brasil, e no Peru. Penso que poderíamos resolver dois problemas, se convencêssemos os governos de alguns destes países da América do Sul, a nos enviarem os seus residentes mais problemáticos... aqueles que poderiam querer colaborar com o Japão, contra os nossos interesses.
- Os sul-americanos nos exportam seus japoneses problemáticos, e o que ganhamos com isso? - Inquiriu o diplomata, cenho franzido. - Teremos o custo adicional de prendê-los em centros de internação!
- Temporariamente, senhor! - Esclareceu o secretário, erguendo um dedo. - Eles não são cidadãos dos EUA... se desembarcarem em nosso país, poderão ser presos e deportados como imigrantes ilegais. Para onde? Para o Japão. Engordamos a nossa lista com esses sul-americanos!
- Brilhante! - Aplaudiu o diplomata. - E assim poderemos repatriar mais dos nossos...
Quando os japoneses descobriram o engodo dos "japoneses" que só falavam espanhol, já era tarde demais.
- [22-10-2019]