Cúmplices e derrotados

Os Grimaldi, após passarem quinze anos casados, descobriram que não podiam ter filhos. Parecia ironia do destino, os dois eram estéreis. Talvez essa tenha sido a forma que a vida encontrou para aplacar a arrogância deles.
- Sempre tive em mente de que você era o único responsável por não termos filhos. – Dizia Mara, totalmente arrasada.
- Pois eu tinha certeza de que você, é que era a incapacitada. – Contra atacava, Jairo.
Não adiantava mais brigar e nem tentar engravidar, pois não conseguiriam. Os exames indicavam ser irreversível o quadro dos dois. Sabendo disso resolveram então adotar uma criança.
O casal de temperamento forte vivia às turras, até para encontrar o caminho para uma possível adoção tornou-se complicado. Não havia um dia que não brigassem e muitas das vezes essas brigas ultrapassavam os muros da própria casa, indo parar na delegacia. O difícil convívio que mantinham com a vizinhança, lhes impedia as boas amizades.
Mara, todo tempo que dispunha livre, procurava junto às instituições que ofereciam a guarda de crianças, uma que a agradasse. Finalmente, depois de várias tentativas encontrou o tão sonhado filho. Não perdeu tempo e deu entrada no processo de adoção. Entretanto, foram rejeitados pela agente social nesse processo adotivo logo na primeira entrevista. Mesmo assim não desistiram de ter um filho. Os meses passaram e a ideia continuava fixa.
Mara e Jairo não se cansavam da procura e todos que se achegavam deles, sempre expunham suas intenções em conseguir adotar uma criança para ocupar o vazio existente em suas vidas. Tanto procuraram e espalharam, que um dia, no centro espírita que frequentavam, tomaram conhecimento de que a parenta de uma frequentadora daquela instituição iria dar a luz a gêmeos, e que a mesma não tinha recursos para criar as crianças.
Sabedores da deficiência financeira do casal resolveram que nas férias de Jairo eles viajariam a Londrina, em busca de uma dessas crianças. Assim fizeram. O casal viajou dois meses depois, e dias mais tarde retornavam do Paraná com o sonhado filho nos braços. Era Cécil, o mais novo membro da família Grimaldi, que não mediam esforços para mostrá-lo por toda a vizinhança.
- Agora eu quero ver o que essa gentalha vai dizer? – Comentava Mara com seu marido, enquanto passeava com o filho.
- Acho melhor ficarmos na nossa, não vale a pena provocar esse pessoal. Não sabemos do que são capazes. – Aconselhou Jairo.
- Até concordo com você, mas não vou deixar de passear com meu filho.
Seus vizinhos, sabendo quem eram, não entendiam como haviam conseguido aquela adoção e viviam a especular. Em consequência de tantas perguntas e suspeitas, o casal resolveu mudar de bairro para a segurança da criança e não mais compareceram ao centro espírita. Temiam provocar alguma denúncia que pudesse levar a investigações - e isso era tudo o que eles menos queriam.
Para os mais íntimos diziam terem ganhado a criança dos próprios pais. Porém, a verdade tarda, mas não falta. Após vinte e cinco anos o destino levou Cécil a encontrar-se com alguém muito especial. Seu carro havia enguiçado e ele teve que andar de ônibus por uma semana, ocasião que conheceu um autêntico sósia de nome Pedro. Sósia este, que mais tarde veio a descobrir serem irmãos gêmeos verdadeiros. O mesmo havia nascido na cidade de Londrina.
Os pais de Pedro nunca esconderam dele a condição de adotado. Falavam que ele tinha um irmão gêmeo que fora roubado e que seus verdadeiros pais estavam vivos e viviam em Londrina. Foi através de Pedro que Cécil ficou sabendo ser filho de um casal muito humilde e que vivia numa roça próxima à cidade. Pedro foi doado por sua mãe por falta de recursos para criá-lo, enquanto que o irmão, que era ele, fora roubado dela ainda na maternidade.
Após tomar conhecimento da verdadeira história, Cécil viajou até Londrina e lá encontrou seus verdadeiros pais. Ajudou-os financeiramente e sempre que podia voltava para visitá-los.
Abalada por ter sido desmascarada, Mara passou a ter crises nervosas, sendo internada algumas vezes numa clínica psiquiátrica. Sempre conseguia uma melhora e voltava para casa, até que ao ser abandonada definitivamente pelo filho adotivo não resistiu e enlouqueceu.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 09/10/2019
Reeditado em 09/10/2019
Código do texto: T6765172
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