O MILAGRE DE SÃO FRANCISCO EM COCAL-PI
O MILAGRE DE SÃO FRANCISCO EM COCAL
Eram quase nove horas da noite, na pequena pracinha da capela, na localidade Frecheiras de São Pedro. A região estava quase desértica. Os moradores se retiraram do local, como prevenção de uma provável tragédia anunciada. Mas naquela noite, algumas pessoas tinham preferido permanecer no vilarejo à espreita dos últimos acontecimentos. A razão da aventura era evitarem os roubos às casas semiabandonadas. Muitos ladrões aproveitavam a situação para furtarem as residências. Carlinhos, era um destes moradores. Tinha entre 35 a 40 anos de idade. Moreno baixo, aproximadamente um metro e sessenta de altura. Conhecia bem a região e era um exímio nadador. O que lhe dava uma certa confiabilidade em permanecer no local. Preocupado com sua família, providenciou, horas antes, a retirada de sua esposa e filhos para uma outra comunidade onde não seriam atingidos. Fechou bem a casa, mas antes, arrumou um pequeno tamborete, colocando-o, no alpendre, ao lado da porta de entrada. Sobre ele, depositou uma pequena imagem de São Francisco, o qual era devoto. Fez o sinal da cruz e pediu que o santo protegesse seu lar. E assim, dirigiu-se, a pequena praça.
Sentados nos banquinhos de cimento, três amigos, conversavam sobre as últimas notícias em relação ao provável rompimento da barragem Algodões. Nos bancos estavam a conversar, Carlinhos, pai de numerosa família de oito filhos , Aloisio, conhecido na região como “Chibata”, ainda, acompanhados pelo vendedor de pães, o Bazim. Nas mãos de Carlinhos, um pequeno rádio a pilha d’onde acompanhavam os noticiários transmitidos pelas ondas da rádio comunitária Tropical FM. A grande dúvida era se as águas chegariam ao povoado, pois a parede do açude rompera às 4 horas da tarde, e já passavam das 10 horas da noite, e nada acontecera. O medo lhes corria as veias, mas exímios nadadores, escapariam facilmente; acreditavam eles. De repente, Carlinhos baixou o som do rádio, e pediu silêncio ao amigo. Havia um estranho barulho vindo do horizonte escuro. Seriam as águas se aproximando?
Carlinhos____ Chibata que diabo é isso? Tu tá ouvindo este barulho?
Chibata____ Tô sim! E está se aproximando. Vamos na ponte. De lá, dá prá gente ver.
E assim, os três amigos resolveram se dirigir ao ponto mais alto. Foram rapidinhos, por uma encosta, e subiram a base da ponte da RFFSA. Era uma enorme estrutura de cimento que cruzava o rio Pirangi. Antiga passarela do trem da estrada de ferro Central do Piauí. De lá, olhando à frente, arregalaram os olhos. Um grande paredão escuro avultavam-se, no horizonte, aproximando velozmente dos espectadores. O barulho dos destroços e árvores sendo quebradas pela força das águas era apavorante.
Chibata_____ Vixe Maria, Carlinhos! O que diabo é aquilo?
Carlinhos_____ É água do Açude, filho de Deus! Vale meu São Francisco! Vamos correr! Ô meu Deus vamos é morrer. Sebo nas canelas, cara. Deixa de conversa fiada.
Os três dispararam numa corrida desesperada entre a vida e a morte. A ideia era alcançar os pontos mais altos da colina. O barulho estrondava a poucos metros. De repente, sentem as águas lavarem seus pés, e logo são tragados pela grande onda. Um redemoinho faz os dois imergirem e emergirem nas águas barrentas, enquanto Bazim, subia em um poste da rede elétrica. Usando de toda perícia; os outros dois amigos, conseguem nadar meio aos destroços. Confusos e se valendo de todos os santos, são levados pela correnteza rio abaixo. Era preciso resistir! De repente, sentem se num turbilhão junto a animais que descem em desespero. Era gado, cabras, bodes, porcos. Ainda tinha restos de madeiras quebradas, móveis, e paus interligados por arames farpados. O barulho era de cortar o coração. Havia momentos que era necessário empurrar, com as próprias mãos, os animais que se debatiam, afogando- se. Tentando nadar a favor da correnteza, a onda subia e descia de acordo com o declive do terreno levando os infortunados nadadores. Os dois buscavam forças para nadarem rumo as margens ribeirinhas. A força das águas era descomunal. Tudo escuro! Desorientados, Sentiram medo quando passaram ao lado das palhas de um pé de carnaúba. Naquele momento de angustia, Carlinhos, teve a noção da altura da onda. Algumas vezes bebeu água. Era um bom nadador, mas já não aguentava mais. Carlinhos lembrou da família; dos filhos; da mulher; de casa; lembrou de São Francisco e fez uma promessa. Implorava para que o santo lhe salvasse a vida. E se fosse salvo, iria a pequena igreja e rezaria todo um terço. Algo que nunca gostou de fazer! O corpo já dava sinais de cansaço. Não tinha noção de quantos quilômetros os dois já haviam percorrido. De repente, Carlinhos, sente suas pernas presas. Não consegue mais nadar direito. Tentou movimentá-las, mas estavam amarradas. Passou as mãos pelos joelhos e detectou a presença de arames farpados que tinham enroscado em suas pernas junto as suas calças, e para piorar a situação, as pontas do arame estavam cravadas na carne. Não tendo outra saída, Carlinhos, num último esforço desesperado, arrancou as pernas dos destroços, rasgando a própria carne e jogando os arames para longe de si. O sangue jorrou, proveniente dos ferimentos. As águas fizeram uma curva enquanto os dois eram jogados para uma área mais rasa. Usando as últimas forças, conseguem pisar sobre a copa de um pé de tucum, caído ao leito, agarrando as folhas com força. Era a única esperança. Sente os espinhos cravarem nos pés e nas mãos. Enfim, estão fora da correnteza. Arrastaram-se até as margens e agradeceram a Deus e São Francisco. Choravam convulsivamente, agarrados, um ao outro. Olhando para os céus e esticando as mãos enlameadas para o alto. Pensavam que iriam morrer. Agora restavam irem para terra firme.
Quando o dia amanheceu, ao lado do amigo, observou que estavam seminus e muito ferido. A pele tomada de uma densa camada de lama e cortes por toda parte. Mas não pensaram duas vezes. Carlinho convidou ao amigo, Chibata, para se dirigirem a sua casa, ou o que sobrou dela. Chegando lá, encontraram-na semidestruída. Para sua surpresa, no chão, um tamborete virado, e ao lado, coberto de lama, a imagem intacta de São Francisco. Carlinhos, caiu de joelhos pegando a imagem e abraçando-a. Beijando seu objeto de devoção. Em sua face rolaram lágrimas de emoção e olhando fixamente o santo, agradeceu ao grande milagre. Depois, dirigiram- se a pequena capela. Eram duas figuras bizarras a caminhar entre os destroços da vila de Frecheiras de São Pedro. A igreja tinha sido poupada da fúria das águas. Ao adentrarem no templo, rumaram com dificuldades meio a sujeira e restos de bancos amontoados. Procuraram o pequeno altar, depositaram a imagem e ajoelharam-se ao lado do santo. Ali, iniciaram um terço entre lamentações e alegria, choro e sorriso pelo milagre alcançado na fé e na romaria do milagroso São Francisco.