A Vingança da Geni

Carlão e Pezão são dois marginais pé de chinelo que mal dão conta de roubar galinha, quanto mais executar um assalto de média proporção. Mesmo assim resolveram assaltar a casa da dona Geni, uma senhora de mais ou menos oitenta anos que sofria do mal de Alzheimer. Com ela moravam a filha Roberta, de sessenta anos, suas netas Moema, na casa dos trinta, Otília, com vinte anos, e um bisneto ainda criança.
Tal decisão de assaltar aquela casa foi devido à constatação de a porta de entrada estar sempre destravada, ou até mesmo aberta, a qualquer hora que eles por ali passassem.
Depois de muita observação na rotina dos moradores, Carlão sentenciou que fariam o assalto na sexta-feira por volta das nove horas da noite, horário em que dona Geni sempre ficava sozinha em casa. Dessa forma não teriam muito trabalho para executar o serviço.
Pezão, que era por demais supersticioso, reclamou lembrando ao amigo que aquela sexta seria dia treze, mas sua reclamação não encontrou respaldo por parte de Carlão. Afinal, não estavam no mês de Agosto, lembrou este.
O tempo passou rapidamente e a sexta-feira chegou.
Pouco antes do final da tarde, Carlão notou que o amigo estava nervoso e quis saber o motivo de tanta tremedeira. Logo foi lembrado por Pezão que era dia treze e que ele não estava muito seguro de realizar o assalto. Diante desse impasse Carlão resolveu que eles iriam tomar uma pinguinha e uma cerveja lá no bar do Chumba antes de começarem o serviço. Assim ficariam mais relaxados.
Pezão novamente reclamou alegando ser muito cedo para começarem a beber. Sentindo que era mais uma das desculpas do amigo, Carlão mostrou-se irredutível, e ainda assim foram para o bar.
Logo que chegaram beberam a dose de pinga e pediram uma cerveja bem gelada. Outra dose de pinga e outra cerveja bem gelada.
Depois daquela rodada dupla, Carlão quis saber se o amigo já estava mais tranquilo. Vendo que Pezão ainda tremia, mandou vir outra remessa igual. Mais quatro pingas e duas cervejas foram servidas, e com esse reforço Pezão pareceu-lhe estar no ponto ― um pouco bêbado como ele, mas pelo menos tranquilo. Entretanto, só depois de mais uma rodada de birita é que resolveram ir "trabalhar".
E lá foram eles para o local do crime.
Chegaram. Mais uma vez viram que a casa estava às escuras e totalmente franqueada à visitação de quem nela quisesse entrar. Não perderam tempo.
Diante do pesado portão de madeira que ficava na frente da casa, olharam para um lado e para o outro da rua. Estava deserta, a maioria das janelas das casas ao redor estavam fechadas. Foi quando Pezão perguntou se as casas estavam mexendo. "Nada está mexendo, nós é que estamos um pouco bêbados", revidou Carlão.
Pezão então empurrou o portão até o fim e entrou largando-o, que estando sob a pressão de uma potente mola, voltou com tanta violência na cara de Carlão que arrancou-lhe no ato os quatro dentes frontais: dois de cima e dois de baixo.
Sangrando e gemendo baixo, Carlão também entrou, e sua vontade era de matar o amigo pelo acontecido. Subiu o lance de escada do patamar que ficava antes da entrada e não entendeu por que Pezão continuava parado em frente da porta. Tendo pressa em entrar para sair da vista dos vizinhos, Carlão decidiu ele mesmo abri-la e, empurrando o amigo para o lado, meteu a mão na maçaneta. Esse ato o faria se arrepender por um bom tempo.
A porta de ferro era ligada à eletricidade para que dona Geni não fugisse e ficasse perambulando pelo grande condomínio. Essa foi a forma que Roberta, sua filha, encontrou para segurar a mãe em casa enquanto estavam trabalhando fora. Assim, Otília, que era a última a sair, lá do portão ligava o dispositivo na campainha que causava um pequeno choque na senhora e a impedia de fugir. Entretanto, naquela tarde, num instante de lucidez e cansada de levar choquinhos, dona Geni resolveu se vingar e por conta própria prendeu um fio no cantinho da porta, enfiando a outra ponta na tomada da casa. Tudo para que sua filha tomasse um choque bem mais forte quando chegasse do trabalho.
Por alguma razão desconhecida a combinação das correntes elétricas naquele momento estava muito alterada, e Carlão tomou uma descarga tão forte que sua mão ficou grudada na maçaneta. No esforço para soltar-se, deu uma cotovelada em Pezão e o mesmo caiu do alto do platô já com o nariz quebrado.
Os dois bêbados, sangrando copiosamente, entraram na casa à procura de algo para estancar tanto sangue. No curto trajeto da porta até a cozinha já sentiram o mau cheiro no ar. Na escuridão não repararam que o chão estava com bosta para todo lado; deram alguns passos e simultaneamente escorregaram na merda: um tombo só e de costas na sujeira. Agora não era só local que fedia, mas eles também.
Pezão lembrou ao amigo que era sexta-feira 13, e por isso estava dando tudo errado. Foi chutado por Carlão.
Não podiam pôr as mãos na boca nem no nariz para limpar o sangue, pois estavam sujas de bosta. Como não encontraram o interruptor para acender a luz, continuaram no escuro. Com muito custo encontraram a torneira da pia ― abriram e não havia água.
Suas vistas começavam a se acostumar com o ambiente e na penumbra viram uma bacia com água. Não titubearam e ao mesmo tempo apanharam com as mãos o precioso líquido para se lavarem. Mas ao molharem o rosto descobriram que era mijo. Na raiva varejaram a bacia longe causando um barulho estrondoso dentro da casa.
Já não estavam mais tão bêbados.
Toda aquela barulhada acordou dona Geni, que do alto da escada para o segundo andar acendeu todas as luzes e pôde ver os dois meliantes no meio da sala. Com a súbita claridade, os dois ficaram praticamente cegos e sem saber para onde ir.
Dona Geni não pensou duas vezes. Pegou seus dois penicos e dali mesmo acabou de fazer o serviço. Jogou merda misturada com mijo em cima dos dois, que ao tentarem fugir ainda levaram outro escorregão. Dessa vez deslizaram em direção à porta e, ao encostarem molhados na descarga elétrica, ficaram agarrados nela. Aos gritos pediam socorro.
Com tanto barulho os vizinhos chamaram os policiais do posto dentro do condomínio, os quais rapidamente chegaram e prenderam os safados. Foram algemados e como primeiro castigo tiveram que ir andando até a distante delegacia, pois ninguém aguentava tanta fedentina.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 04/10/2019
Reeditado em 04/10/2019
Código do texto: T6761031
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