ALGODÃO, "seu" GERALDO ?!

ALGODÃO, "seu" GERALDO ?!

-- "Mais algodão "seu" Geraldo" ?!, interpela o vizinho Benedito, com suas cabras e mochos atrapalhando a passagem do burrico do Geraldo, pois atulhavam a estradinha. Vizinho é força de expressão porque, nos sertões, as casas ficavam quilômetro e tanto distantes uma da outra, por vezes até uma légua.

-- "Algodão, sim, "seu Benéco"... tem serventia pra tudo na casa, do quarto até a cozinha, é a matéria prima das rendeiras, está nas toalhas, colchas, redes, cortinas, o "diabo" !

"Benéco" era impertinente, só queria irritar o velhote:

-- "O negócio é cabra, "seu" Geraldo"... cabra no almoço, no jantar e sobremesa. A bicha dá leite, faz queijo, da pele surge chapéu e ainda tem o s filhotes" !

"Seu" Geraldo insistiu pedindo passagem, as cabras foram retiradas do leito do Ramal sem pressa... tocou o burrinho de estimação, "pau pra toda obra", cantando:

-- "Ploc, ploc, blim-blom, blim-blom, / lá vai meu burrinho / carregado de algodão"... (*1) a carroça abarrotada de "jacás" trançados de cipó de embira. Após a venda na feira comprou passagem pra capital, tinha negócio urgente a tratar lá, num órgão do governo que cuidava da agricultura de forma dinâmica e responsável. No dia seguinte embarcou no velho lotação, na maleta surrada seu segredo maior: algodão colorido, ou melhor, cor de rosa. (*2)

Vinha testando uns "enxertos", que aprendera com a avó, de seu algodão com arbustos de flores, sem o menor sucesso, quando tentou a roseira silvestre, de flores miudinhas. Na maleta o fruto de 3 ou 4 anos de tentativas... os técnicos do Serviço federal gargalharam, aquilo era "pegadinha" e Órgão tinha um trabalho sério. "Seu" Geraldo bufou de raiva, bateu na mesa e berrou:

-- "Quando eu digo que é pedra, é pedra... se eu digo que é colorido, é melhor vocês acreditarem" !

Pelo tom e pelo jeito o sertanejo falava sério. Era preciso registrar a novidade, mas o caboclo só tinha o "Batistéu", a certidão de batismo.

-- "E como você vota, então" ?!

-- "Ora, um sujeito passou por lá faz uns 40 anos, me deu 1 enxada nova, mais pá e voltou dias depois com o "titro" !

Registraram "seu" Geraldo aos 60 e tantos anos, registraram sua descoberta, ficaram com as sementes e lhe adiantaram tratorzinho a gasolina com arado, folgando os dias do burrico e quase enfartando o vizinho abelhudo.

-- "O que é isso ?! É ALGODÃO, "seu Benéco" !

Benedito não dormiu, aquilo era um pesadelo... meses depois, quando chegaram os primeiros lucros da licença de uso das sementes especiais Geraldo comprou o sítio à esquerda para ampliar o plantio. "Benéco" caiu de cama, já nem cuidava mais das cabras, boa parte furtada numa madrugada, êle curtindo a carraspana de uma noite regada à "Tatuzinho" com limão.

O "curandeiro" da região diagnosticou "algodonite aguda", conhecedor da estória toda... não teve jeito, foi levado a um hospital na cidade grande mais próxima e veio "a óbito", "de morte morrida", definida como "por motivos ignorados". "Seu" Geraldo arrematou também aquela fazendola e Benedito voltou à santa terrinha como defunto mas, por falta de madeira na região, enrolado numa rede feita com o algodão do Geraldo. "Castigo vem a cavalo", fala o povão !

"NATO" AZEVEDO (em 30/set. 2019, 21hs)

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OBS: (*1) - este "causo" surgiu a partir de canção folclórica gravada pelo Coral SANTA CECÍLIA, em LP de 1972, da Academia de Música do Rio de Janeiro.

(*2) - já existe algodão colorido, fruto de pesquisas da biogenética aplicada à Agricultura, enquanto se cancela 4 MIL bolsas de pesquisa.