Ato de Deus

- Pelo que entendi, o senhor deseja processar a sua seguradora por conta de uma apólice não paga?

Russell Wallace aquiesceu.

- Precisamente, dr. Holcomb. A companhia de seguros recusou-se a pagar o valor da apólice, pelos danos causados por uma tempestade tropical ao meu veleiro, sob a alegação de que se tratava de um "ato de Deus".

- "Ato de Deus", neste caso, sr. Wallace deve ser entendido como "força maior", "acontecimento fortuito". É o caso da tempestade tropical citada pelo senhor, que está fora do controle humano.

- Entendo seu raciocínio, dr. Holcomb. Todavia, se há uma cláusula eximindo as seguradoras do pagamento, certamente não isenta o seu titular de o fazer.

- O senhor quer dizer… cobrar o prejuízo de Deus? - Indagou cautelosamente o advogado.

- Exatamente, dr. Holcomb. Quero que entre com uma ação cobrando 50 mil dólares de Deus, pelos prejuízos ao meu barco, decorrentes do Seu controle negligente da natureza.

- O senhor está descartando a possibilidade desta tempestade tropical ter sido desencadeada pelo aquecimento global, ou seja, por ação humana?

- Veja, dr. Holcomb… não sou eu quem redigiu uma cláusula de seguro falando em "ato de Deus". Se é de Deus, descarta totalmente a ação humana para a sua aplicação. Portanto, Deus é responsável.

- Bem… certo, mas como espera fazer com que Deus seja notificado para comparecer em juízo?

- Se Ele é onisciente, já estará ciente da ação, antes mesmo que ela chegue aos tribunais. De qualquer forma, sugiro cobrar uma resposta da igreja local, visto parecerem deter o monopólio da religião.

Procurada, a igreja local não se manifestou. Foi marcada uma audiência preliminar e, como era de se esperar, o acusado não compareceu. A corte deu ganho de causa ao querelante, condenando o réu a pagar 50 mil dólares pelos prejuízos sofridos, mais custas e honorários advocatícios.

Até o momento, contudo, nenhum indício há de que a dívida será paga algum dia…

[25-09-2018]