Só porque hoje é domingo

Hoje é domingo e dia de domingo eu não arredo o pé, nem que você me prometa que ao sair de casa, eu tope numa pedra, tombe para frente, veja tudo rodando, dê uma ventania, um magote de besta escancare a boca numa risada, eu caia dentro de uma cacimba bem funda e lá no fundo dela, eu encontre uma botija entupida de moedas de ouro, muitos anéis de brilhante, relógios, terços e um tapete para eu sair por aí voando embusca do esconderijo de Ali Babá...Prefiro é ficar aqui deitado em minha rede, infincando o pé na parede, nesse descanso manso, só espantando mosca enquanto a minha veia torce o pescoço da penosa, sangra no pescoço dela só pra fazer aquela cabidela de domingo. Oh vida boa, meu deus! Oh vida abençoada! O que eu quero mais da vida? Nada!

Hoje é domingo e meu juízo num trabalha normal igual ao juizo da semana não. Por isso que eu não cisco fora do meu terreiro nem que apareça um tal visconde de qualquer arraiá querendo que eu vá correr atrás de galinha de ovos de ouro, nem que eu ao atravessar a porta sinta a sombra de um senhor pé de feijão gigante, pise numa corda que seja arapuca, ela me suba lá para cima do tal pé, eu seja armado de espada, capacete e escudo, tenha que lutar com o tal gigante de um olho só para, no final, seja o ganhador de um baú sangrando de moedas de ouro e prata, com muitos castiçais, colares e pulseiras de ouro, um aparador, um lava pé e uma coroa de rei porque quando a oferta é maior que os olhos da cara, a queda é tão braba que não tem cristão no mundo que remende o estrago... Prefiro ficar aqui no meu descanso da minha rede, vestido com meu pijama, chocando os ovos enquanto a minha veia prepara aquele pirão de galinha de domingo. Ela pega a penosa pelo pescoço, torce, bota a água pra ferver e no intervalo de uma soneca que eu tiro, o cheiro toma de conta da casa e do terreiro todo.

Só porque hoje é domingo, eu prefiro mesmo é ficar em casa, não dá trela para quem gosta de contar vantagem e sai por aí para a venda de Tião biscoito, fica lá mastigando cebo e arrotando lorota, vai que no meio do caminho eu encontre um boi valente, me coloque pra correr uma légua até eu encontrar uma alma penada que me faça voar até a maré, de lá eu encontre uma baleia que me leve para o meio do mar, eu encontre uma sereia que me leve para as profundezas do oceano e lá eu encontre muitas pérolas, milhares de pérolas numa plantação de conchas... Deus me livre, só de pensar já sinto uma tremenda enchaqueca de tanta água que possa entrar em meus ouvidos e me deixe moco, moquinho da Silva e não possa mais ouvir os gritos da minha veia, no domingo, assim que o galo cantar: acorda, desgraça de homem, vai lá no galinheiro, escolha a melhor galinha, a mais gorda, arraste pelos pés, torça o pescoço, faça aquele cozido com bastante maxixe, depois vá a venda do cumpadre, traga um quilo de farinha d'água, faça um pirão bem mexido e traga aqui na minha rede que hoje é meu dia de folga.

Só porque hoje é domingo, eu num arredo o pé dessa cozinha enquanto a penosa tiver um tiquinho assim de pena, visse, vai que nasça pena em mim e eu resolva voar por aí...

Marcus Vinicius