Pássaro Na Mão

Novembro, 1949.

A secretária atendeu o telefone no segundo toque.

- Escritório de Billy Wilder, Rosella Stewart falando.

- Srta. Stewart? Aqui é Victor Desny... o ator - identificou-se a voz no receptor.

- Victor Desny? Ah, sim... creio que me lembro - redarguiu ela cautelosamente. Na verdade, não se lembrava de nenhum Victor Desny. - Em que posso ajudá-lo, Sr. Desny?

- Eu tenho uma ideia para um filme do Sr. Wilder - prosseguiu o rapaz, entusiasmado. - Acho que é o tipo de coisa que ele poderia converter num grande sucesso!

- É uma ideia original? - Questionou a secretária, apanhando lápis e um bloco de papel.

- É baseada em fatos reais, mas desenvolvi uma história sobre ela, com novos personagens e acontecimentos - explicou Desny. - O caso aconteceu há uns 25 anos: um mineiro ficou preso após um desabamento na mina onde trabalhava, e a mídia transformou o resgate num circo, pouco se importando com a vida do homem soterrado.

- Hum... dramático - avaliou Stewart, anotando o que o ator dizia.

- Então? Acha que Wilder poderia se interessar pela minha ideia? - Indagou ansioso Desny.

- Prometo que a farei chegar até ele, - replicou a secretária - e se for utilizada, certamente haverá uma compensação pelo seu trabalho.

- Fico-lhe muito grato! - Redarguiu Desny, antes de desligar.

* * *

Agosto, 1951.

- Você já recebeu as resenhas sobre o filme? - Indagou Billy Wilder, ao ligar para seu escritório.

- Bosley Crowther, do "The New York Times" o chamou de "magistral"... - redarguiu a secretária.

- Muito bom!

- Os elogios param por aí, entretanto - atalhou Stewart. - Ele acha que você exagerou nas tintas, ao retratar o jornalista venal, que não existiriam pessoas com tamanho poder de manipulação.

- Rá! - Riu Wilder. - Ele não conheceu William Randolph Hearst!

- A "Variety" elogiou as interpretações... particularmente do Kirk Douglas.

- Douglas esteve sensacional - afirmou Wilder em tom taxativo. - Foi uma performance digna do Oscar.

- Já o "Hollywood Reporter" considerou o filme uma ofensa às instituições americanas... particularmente o governo democrático e a imprensa livre.

Wilder resmungou um palavrão.

- Ah, e chegou uma carta do seu advogado - alertou Stewart. - Você está sendo processado.

- Por quem? - Indagou Wilder surpreso.

- Pelo Victor Desny.

- O ator?

- Ator e roteirista.

- Roteirista... sim... e pelo quê?

- Plágio de ideia.

* * *

Agosto, 1956.

Rosella Stewart atendeu o telefone no segundo toque. Era Billy Wilder.

- Sim, senhor Wilder, seu advogado deixou recado. A Suprema Corte da Califórnia deu ganho de causa ao Victor Desny.

- Ele tinha perdido na primeira instância! - Exclamou Wilder, indignado.

- E por isso recorreu, Sr. Wilder - recordou didaticamente a secretária.

- Desde quando uma promessa de pagamento por uma... ideia... e que foi feita por você, não por mim ou por um dos meus advogados... pode ser considerada legítima por uma corte?

- Isso jamais me passou pela cabeça, ou não a teria o feito - reconheceu humildemente Stewart.

- Isso não passa pela cabeça de nenhuma criatura racional, Rosella. Eu não a estou culpando - declarou Wilder. - Bem, só me resta uma única coisa a fazer...

No dia seguinte, o patrono de Victor Desny recebeu uma ligação do escritório de advocacia que representava Billy Wilder. Pelo uso não creditado de sua ideia original no filme "Ace in the Hole", lhe foi oferecido US$ 14.350,00 para compor um acordo extrajudicial.

- O que eu perco, se não aceitar? - Indagou Desny.

- A Suprema Corte poderá estabelecer a indenização num valor menor... ou destinar parte da mesma para cobrir custas judiciais - ponderou o advogado. - Lembre-se de que perdeu na primeira instância.

Victor Desny aceitou o acordo.

- [30-08-2019]