O Sari

Era a primeira vez que Sarama reunia-se com nosso grupo, às margens do lago Dhakuria, ao sul de Calcutá. Sarama não era o seu nome verdadeiro, mas era o que havia escolhido.

- Você tem cara de Sarama - aprovei, arrancando risos de todas as presentes.

Era fim de tarde, e estávamos sentadas em círculo, à sombra das árvores. As garotas, como sempre, haviam trazido saris e maquiagem (de suas mães ou irmãs mais velhas) em suas mochilas. Vestir um sari, ainda que por algumas poucas horas por semana, era sempre um acontecimento que esperávamos ansiosamente.

- Hoje, eu trouxe o sari Baranasi que minha avó usou no casamento - anunciou Dakini, com um sorriso resplandecente no rosto escuro. - Se minha mãe descobre que fui eu quem peguei, levo uma surra!

Todas a encaramos com um misto de admiração e apreensão. Admiração, porque os saris de Baranasi (ou Benares, como também a cidade é conhecida), estavam entre os mais finos e caros feitos na Índia, e compreensão porque o histórico de violência familiar não era exatamente incomum entre o nosso grupo. Mas estávamos felizes de que ela houvesse trazido a peça, pois poucas de nós havíamos tido a oportunidade de ver um Baranasi, quanto mais vestir um.

Dakini tirou a peça de dentro de sua mochila e desdobrou-a cuidadosamente. Era um sari magnífico, de seda escura debruada a ouro, coberto por padrões intrincados que lembravam uma rede de pesca. Seu preparo deveria ter levado, no mínimo, um mês de trabalho de um alfaiate experiente. Arregalamos os olhos, enquanto Dakini ajustava o sari no corpo, por cima das calças jeans e da camiseta com as quais viera de casa.

- Que coisa linda! - Exclamou Sarama, as mãos sobre a boca, como se fosse gritar.

E era mesmo. Dakini começou a maquiar-se, em frente a um espelho preso num galho de árvore, e depois colocou joias de bijuteria para complementar o traje. Finalmente, virou-se para nós e sorriu:

- Que tal estou, meninas?

- Uma rainha! - Aprovou Vaidehi, que colocara um sari amarelo.

- Você trouxe alguma coisa para trocar, Sarama? - Indaguei, enquanto vestia meu sari verde.

- Não... não deu - ela baixou a cabeça. - A situação lá em casa é complicada. Estava pensando em comprar um com meu próprio dinheiro, quando começar a trabalhar.

- Eu trouxe um sari reserva - anunciou Vaidehi erguendo a mochila. - Você quer experimentar?

- Posso? Puxa, obrigada - animou-se Sarama, erguendo-se.

Antes que ela pudesse pegar a mochila, vimos aproximar-se pela alameda que conduzia àquela margem do lago, um diminuto Mahindra E2OPlus branco, da polícia de Calcutá. Por sorte o havíamos visto vindo, já que por ser um veículo elétrico, não produz praticamente ruído ao deslocar-se. Ficamos como que paralisadas, pois embora não estivéssemos fazendo nada de mais, a reação da polícia era sempre algo imprevisível.

O Mahindra parou a pouco mais de cinco metros de distância de nós, e dele desceu um policial, cerca de 40 anos, imensos bigodes negros.

- Boa tarde, meninas! - Saudou-nos ele, polegares enfiados no cinto do uniforme.

- Boa tarde, senhor oficial! - Entoamos em coro.

Ele parou em frente à Sarama, e indagou:

- O que está fazendo aqui, em tão boa companhia, Karam?

Sarama - ou Karam, seu verdadeiro nome - parecia incapaz de responder, portanto, tomei-lhe a frente e disse:

- Somos o grupo de teatro do Karam, oficial.

- Teatro! - Replicou ele, balançando a cabeça. - Que interessante!

E deu um tapinha amigável no rosto do filho.

- Não precisa ficar com essa cara, rapaz. Não vou brigar com você.

E, dirigindo-se a nós:

- Cuidem deles, meninas!

- Pode deixar, senhor - repliquei, soltando o ar dos pulmões.

O pai de Karam entrou na viatura e deu partida. Acenou uma última vez, e seguiu seu caminho ao longo da alameda. Todas olhamos para Sarama/Karam, que parecia estar voltando ao normal.

- Quase morri agora... - murmurou.

- A costa está limpa - avisou Dakini.

- Quer se vestir agora? - Indagou solícita Vaidehi.

- [25-08-2019]