O Lago
O rosto macilento e brilhante de lágrimas, o cabelo desgrenhado e os olhos fundos e inchados de Rogério pareciam os de um cadáver que ficara de molho na água durante uma semana.
A visão embaçada faziam as sombras das árvores dançarem sem nitidez na margem oposta do imenso lago que contemplava.
Aquela beleza inigualável e secreta exalava um quê de injustiça. Como era possível presenciar a natureza de forma tão pura e não ser nem ao menos minimamente contagiado pelo seu explendor e exuberância?
Mas os momentos para questionamentos tão triviais já havia se esgotado, as lágrimas, mais que suficientes, ja haviam se esgotado e o rosto belo e sorridente que o encarava na tela do celular era só mais uma prova de que não havia nada de bom ou justo no mundo, somos todos não mais do que ilhas carentes que não se completam.
Olhou mais algum tempo para a foto, o rosto sorridente lhe trazia lembranças as mais felizes, tão intensas como as dores que também sentia. Deu um beijo na tela trincada do celular e depois arremessou o aparelho que voou rodopiando feito um bomerangue e afundou no lago, quebrando o efeito vítreo da superfície com as pequenas ondulações que aumentavam de tamanho ao se afastarem do lugar em que foram causadas.
Rogério assistiu o voo do celular com uma expressão vazia, o olhar vago como se estivesse absorto pensando sobre algo totalmente diferente do seu arremesso de smartphone ao maior estilo Cy Young.
Quando a superfície do lago voltou a calmaria imperturbável original, Rogério baixou os olhos para os próprios joelhos cobertos com as mãos onde encostou a testa, tentando respirar o mais fundo que podia, mais lágrimas rolaram pelo seu rosto e pigaram na roupa.
Rogério fungou e esfregou o rosto para limpar o excesso de água que lhe embaçava a visão, baixou uma mão até a cintura e de lá puxou um revólver preto de metal com um cabo acolchoado e macio. Sentiu o gosto da pólvora e do ferro quando encaixou o cano da arma entre os dentes e armou o cão com o polegar.
As lágrimas pararam de jorrar dos olhos de Rogério quando ele puxou o gatilho e tirou a própria vida. O estampido seco e ensurdecedor fez as gaivotas levantarem voo, deixando para trás o lago, o celular e a cena dramática do homem que desistiu de tentar.