A rua dos veiacos

Toda cidade tem as suas ruas pitoresca e de nomes engraçados, Mendes Pimentel não podia ser diferente. A rua mais importante era sempre conhecida como rua Principal, e tinha que ser com o P maiúsculo mesmo. Era na rua Principal que se instalava todo o comércio local, as vendas, as lojas, os botecos. Ela até que tinha um nome cadastrado na prefeitura, se chamava Matheus Moullin, era o nome de um dos fundadores do município, mas ninguém a chamava assim, nas cartas vinha sempre: Para fulano'a de tal, rua Principal sem número, do outro lado vinha o nome do remetente,

Tinha que ter o nome do remetente, caso contrário corria o risco da carta voltar, mas como era isso? Sem o remetente como é que o agente do correio , nesse caso a agente era a dona Fia Moura , minha tia , ia saber quem escreveu a missiva, ela não podia abrir a correspondência, mas ficava curiosa para saber de onde vinha e quem foi que escreveu aquela carta, o nome de quem recebia não lhe bastava, ficava incompleto as informações

Com esses dados não tinha erro, a dita cuja chegava ao seu destino sem nenhum problema, dona Fia Moura conhecia todo mundo da cidade, mesmo que ela morasse na roça ou nos córregos distantes como córrego dos " Aflitos", opa! apareceu um nome sugestivo, porque esse nome? Parece fácil de adivinhar né. Lá tinha um bom time de futebol, que dava muito trabalho ao time da cidade, o Sete de Setembro.

Assim que era a pequena Mendes Pimentel, que em outros temos fora batizada com o nome de Bom Jesus de Mantena. Mas a razão principal desse "causo" é uma rua muito conhecida por todos os moradores , mas que eu não me lembrava que ela tinha um nome, porque era assim, para nós, crianças, só existia a rua Principal, que era dividida em rua de baixo e rua de cima.

Quem morava na rua de cima era considerado inimigo de quem morava na rua de baixo, isso para as crianças, é claro.

Da igreja católica pra baixo, até a porteira onde começava a propriedade do Celso Rodrigues era considerada Rua de Baixo, da igreja pra cima, até o final da rua, mais ou menos na porteira da fazenda que dava entrada pra cachoeira era considerada Rua de cima. Tinha porrada mesmo, principalmente no campo de pelada do Sete, na praça da igreja, na praça do cruzeiro e também na porta do cinema poeirinha que exibia grandes fitas do Faroeste americano.

Na porta do cinema, antes de começar as seção, que era anunciada com o toque de uma sirene, ela tocava tão alto que dava pra ouvir até na casa do Manelito que tinha 5 filhos, todos eles tinha um nome que começava com F: Farenaite, Fanoel, Fernando, Fareldes e Farildes. As crianças espertas diziam que o próximo que viesse se chamaria Feioso, mas por sorte do Manelito não nasceu mais nenhum menino homem, só veio menina mulher, e lindas por sinal.

Antes da sirena tocar a meninada trocava revistas em quadrinhos e figurinhas, debaixo da única luz que iluminava a porta do poeirinha,

As ruas eram iluminadas por geradores movidos a motor a óleo, e tinha a hora para ser desligados, quem morava no final das ruas de baixo e de cima, tinham que sair em disparada para casa mal acabava a seção do cinema, se não, se arriscavam a ter que caminhar no escuro até em casa, e nas noites de lua nova, era um breu que só.

As ruas transversais e as ruas paralelas só tinham apelidos, do tipo, rua da Coréia, rua do correio ou rua da Fia Moura, rua do campo, rua do curral do conselho, rua da delegacia. A serraria, que não era propriamente uma nova rua, mas o povo tinha como um ponto de referência de localização. As pessoas diziam que moravam na serraria, era quase como um bairro as suas cercanias´Pois é, tinha essas confusões que só morador conhece..

Tinha também a praça da igreja, a igreja Assembléia de Deus, a igreja Batista e a Presbiteriana, a praça do Cruzeiro, que era onde eram montados os circos e os parques que vez ou outra chegavam na rua para alegria da molecada e dos adultos também, Tinha um ponto muito conhecido de todos, mas era considerado tabu para muitas famílias, quase como um palavrão, na verdade um grande palavrão. Uma menina donzela não podia dizer aquele nome. Era a Coréia, um local muito frequentado por homens de todas as idades. As más línguas diziam que muita gente de boa família costumava frequentar aquele antro d perdição nas madrugadas, quando até as corujas estão dormindo.

Na praça que hoje não existe mais, o Cruzeiro veio abaixo e na praça foi construído uma bela prefeitura e a câmara dos vereadores. Adeus peladas, malhação do judas e principalmente os circos, touradas e os parquinhos com Roda Gigante, Carrousel e canoas Venezianas.

Os serviços de auto falante do parque tocavam músicas apaixonadas e o locutor caprichava: 'Balanço Veneziano, o balanço que lhe faz bem , de um lado leva você do outro lado seu bem". " Essa linda canção que acabamos de ouvir, do Rei Roberto Carlos foi um oferecimento de um apaixonado do Córrego dos Aflitos para a linda donzela que veste um conjunto azul com bolinhas brancas". Encarar uma roda gigante acompanhado só pelo prazer de se beijarem quando o roda estava bem alta, longe dos olhos do dedo duro do irmãozinho da garota, era a maior das curtições.

Mas a rua paralela à rua Principal que na verdade eram duas, uma do lado esquerdo de quem chegava descendo a cidade, nesse caso, descendo significa descendo o rio, no nosso caso vindo da serraria ou melhor descendo a serra. Do lado direito tinha uma rua muito importante, ali morava o Orzi alfaiate, que foi quem me ensinou aos 12 anos o ofício de calceiro, o Tilim que era gerente da coletoria. A casa do Tilim ficava ao lado do Ginásio e na sua casa tinha geladeira, por isso ele era considerado um rico, porque poucos ou ninguém mais tinha geladeira em Mendes Pimentel. Eu sabia que ele tinha uma geladeira porque na hora do Recreio no Ginásio ele vendia para os alunos copos de refresco gelado, refresco de Qui-suco, que era uma grande novidade na época.

Nessa rua também morava o Coubert,, que era casado com dona Magaly, professora do terceiro ano do Grupo Escolar Nossa Senhora Aparecida, pais da Sonia Rodrigues. Nessa rua também ficava a casa do senhor Chiquito Loures Rosa proprietário da loja "A Primavera", pai do Samuel, meu amigo de infância e mais uma penca de filhos que encantavam os corações das donzelas, e de uma linda filha.

Todos os domingos pela manhã tinha o culto dominical , nesse dia a loja não abria. Seu Chiquito acompanhado da sua digníssima esposa e de todos seus filhos e a linda filha deixavam sua residência na Rua dos Veiacos e subiam pela rua Principal em direção à Igreja Presbiteriana, todos com a melhor veste que tinham e com a Bíblia debaixo do braço desfilavam pela rua Matheus Moullin. Mais pareciam Dom João VI passeando pelo Paço Imperial no Rio de Janeiro. As pessoas apreciavam aquela família, todos os cumprimentavam com um abano de cabeça e tirando o chapéu.

Do lado direito do Ginásio bem em frente à casa da professora Maria do Rosário morava a dona Sebastiana mãe do Francisco de Assis e do Orozimbo que foi meu colega no primeiro ano ginasial. Dona Sebastiana tinha outros filhos, mas não me lembro dos seus nomes. Orozimbo que acredito teve paralisia infantil que lhe deixou sequelas e ele não podia andar, mas era um aluno muito inteligente e estudioso,

Já dá para ver que a rua paralela á Principal era uma via importante para ser uma rua sem um nome, foi nessa calle que eu não sabia que tinha um nome que foi construído o primeiro Ginásio estadual de Mendes Pimentel, que aliás eu tive a honra de ser um dos seus primeiros alunos, nesse Ginásio eu fiz o Admissão e a primeira série Ginasial.

Fui um grande frequentador da casa de dona Magaly, que é minha prima e foi minha professora no terceiro ano primário. Eu gostava muito de ler as suas revistas de foto novelas. Lia todas, sempre que conseguia revistas novas ela me convidava para ir à sua casa, eu passava tardes inteiras lendo as foto novelas na sua bela sala.

Uma rua com tantas personalidades tinha que ter um nome, o que eu não sabia até essa semana, talvez até soubesse, mas não me lembrava. Fiquei sabendo pelo grupo que essa rua se chamava, não sei se ainda tem esse nome: Rua dos 'Veiacos', esse nome mesmo 'Veiacos' e não Velhacos, como seria correto.

Fiquei curioso, qual o porquê desse nome, como foi que ele surgiu, quem foi o engraçadinho que fez isso? Essas perguntas ficaram martelando a minha cabeça, e essa noite, acordei pensando e finalmente achei que tinha descoberto esse mistério, pulei da cama às 5 horas da manhã e vim para o computador contar essa história antes que eu me esquecesse.

A rua dos Veiacos não era grande como a rua Principal, mas também não era pequena como as ruas transversais A rua da delegacia por exemplo era bem pequena, nascia na casa do Francisco de Assis e terminava na rua do curral de conselho. Curral de conselho para quem não conhece eu vou explicar. Era um pequeno curral construído pela prefeitura para prender animais - burros, cavalos, cabras, cabritos e porcos -, que ficavam circulando pela rua sem acompanhante. Esses animais eram detidos pelos fiscais do conselho que os levavam para dentro do curral e de lá só saiam depois que o proprietário pagasse a devida fiança. Se o dono não aparecesse, os animais iam a leilão.

Foi da rua dos Veiacos que um grupo de estudantes partiu em passeata até à residencia do prefeito Antônio Lopes em protesto contra a falta de luz no Ginásio. Com velas na mão adolescentes guiados por seu jovens professores, como Rui Rodrigues e o professor Barbinha, fizeram bastante barulho em frente à casa do prefeito em plena ditadura militar no ano de 1964, e eu estava lá, foi uma verdadeira aula de cidadania, recebida com bom humor pelo nosso Alcaide que até fez discurso, prometendo que iria levar ao governo do estado a nossa reivindicação.

Eu penso assim: com certeza foi alguém que tinha o espírito de porco, um gozador, que colocou esse nome na rua mais charmosa da comunidade. Pode bem ter sido o alcino, ou o Waldemar Cataca, ou o Neca Moura,ou o Zé Duca, ou o Dico Malaquias, esse sim era um danado, o Dico colocava apelido em todo mundo, por exemplo: ele chamava o seu compadre Orzi alfaiate, que era bem magrinho, de Palito. pode também ter sido o Nicanor da prefeitura, sei lá, o que não faltava em Mendes Pimentel eram os piadistas. Pode até ter sido o Celso Rodrigues que era sisudo mas era um grande gozador.

Agora, por que rua dos Veiacos? Pesquisando na internet descobri mais de 100 sinônimo para essa palavra. Pode ser aquele cabra esperto, simpático, bom de papo, muito inteligente, aquele que gosta de se dar bem em quase tudo, o verdadeiro malandro ou até mesmo o famoso 171 como se diz aqui no Rio de Janeiro.

Então, quem seria o veiaco ou os veiacos da rua dos Veiacos. Eu não sei, para mim naquela rua só morava gente boa, como diria o Dico Malaquias, ninguém nunca foi preso atoa.

Rio, 05/07/2019

José Américo
Enviado por José Américo em 04/08/2019
Código do texto: T6712444
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