O boato
Hoje não sei o que escrever, são tantos pensamentos sem nenhuma inspiração. Sabe aquele aluno que precisa fazer uma redação para a prova, mas nada chega na cabeça e não consegue desenvolver um tema? Pois é!
Já pensei em falar das coisas atuais, mas parece que não temos muitas novidades. Nos dias de hoje, as notícias que nos chegam, são tão sem graça que já não nos surpreendem, parecem aquelas estorinhas infantis do gato que caça os ratos. O paiol está infestado de ratos que veem se criando a vinte anos e mamaram tanto que ficaram fascinados pelas tetas, e não querem larga-las de jeito nenhum. Os gatos por sua vez, fazem o que podem, pegam um aqui outro ali. Já prenderam bastante, mas ainda tem muitos a serem pegos. Mas com jeito e paciência, vão todos para o embornal.
Então só nos resta narrar algo que já aconteceu lá para traz, que são muito mais interessantes e nos fazem lembrar de um passado que éramos tão felizes, e pouca gente sabia. Como exemplo estou querendo dizer que, para começar, todos os jovens, respeitavam os pais, os mais velhos e principalmente seus professores que eram quase idolatrados. Nas festas tinham respeito e raramente se via uma briga. As pessoas se olhavam e se cumprimentavam com muito carinho. Foi um tempo tão abençoado em todos os sentidos.
Certa vez, no bairro onde morávamos, corria um boato que em um certo trecho da estrada de terra, obviamente, tinha um bicho ou coisa parecida que atacava as pessoas que passassem por ali, principalmente à noite. Essa estória foi se alastrando e o povo ficando com medo, evitavam passar no tal lugar, de dia e muito menos à noite.
Só para mostrar como as pessoas tinham consideração pelos outros, uma noite estávamos no barzinho da vila, conversando, brincando e bebericando, quando um da turminha nossa se lembrou do tal boato. Meu Deus, disse ele, o Maurício foi namorar lá no Bairro do Sitinho e para voltar, tem que passar pelo lugar perigoso. De bicicleta, vai ser muito difícil ele escapar do bicho.
Temos que dar um jeito de salvar nosso amigo. Como tínhamos uma Rural Willis, um dos poucos carros na época, resolvemos ir busca-lo lá no Sitinho
Fomos em nove rapazes, a maioria adolescente e uns três um pouco mais velhos. Chegando lá, toda a família se espantou, porque um carro a essas horas da noite, só pode ter acontecido alguma notícia ruim. Depois de saberem o motivo da visita inesperada, até riram de nós. Conversamos um pouco, tomamos um café porque senão não podíamos sair, entramos todos na viatura, inclusive o Maurício. Andamos uns quinhentos metros, o motor engasgou e logo parou. Tinha acabado a gasolina. E aí?
Voltar para casa da namorada do Maurício não podia, porque não teria gasolina, pois não tinham carro, dormir todos lá, não tinha lugar. O jeito é irmos embora a pé. O mais velho da turma, sofria com os calos que tinha nos pés, quase não podia andar, coitado. Eram uns oito quilômetros até a vila. Um da turma tinha uma garrucha com duas balas, é então estamos garantidos, se o bicho atacar, você atira. Deixamos a Rural e pé na estrada saímos todos conversando, mas um não ficava nem um passo para traz, mas com a garrucha sempre no jeito para saca-la se fosse preciso, criamos coragem. Andamos uns três ou quatro quilômetros, o rapaz dos calos já não aguentava mais e nós quase chegando no tal lugar assombrado. Só se ouvia o barulho dos nossos sapatos e o coaxar dos sapos, escuridão que era um breu. De repente, um vulto pulou bem na nossa frente. Quase caímos por terra de tanto medo, a garrucha que estava na mão, voou longe! Nossa, acabou nossa aparente proteção.
Ficamos ali paralisados uns longos segundos. Medo de fazer tremer os lábios, a voz não saia para ninguém, oh aperto. Depois dessa agonia toda, ouvimos uma voz rouca, meio que forçada, querendo rir, dizendo: Oh cambada de medrosos, porque não deixaram o Maurício sozinho, eu queria só dar um susto nele, mas vocês estragaram tudo seus valentões de meia tigela.
Era um dos irmãos do próprio Maurício, que tinha soltado o boato, só para que ele parasse de andar de bicicleta a noite....