AS PÉROLAS DE TIA SORAIA
Eu não sei dizer se havia ou qual seria o grau de parentesco que tínhamos com aquela senhora gorda, baixinha, cabelos muito pretos que surgiam por baixo daquela boina azul celeste enfeitada com pérolas, fazendo círculos na borda e folhagens na parte de cima.
Um exagero, mas que combinava com as várias voltas dos colares, também de pérolas em volta do pescoço e com um nó na altura do busto farto.
Tia Soraia morava na mesma rua e era casada com um chinês, sr. Woy que era ourives e estava sempre vestido com uma túnica de seda preta com dragão estampado no peito e nas costas.
Uma vez por mês, o casal vinha tomar chá com meus avós na varanda mal iluminada para ressaltar a beleza da lua cheia.
O contraste ente os dois era notável.
Ela baixinha e gorda, ele magro e alto, bem mais que metro e oitenta.
Ele, com aquele riso de manequim permanentemente pregado na cara, falava pouco sobre banalidades e quando falava com a tia Soraia era sempre em mandarim, momentos antes de irem embora.
Ela por sua vez, falava pelos cotovelos, principalmente sobre o custo de vida, receitas tanto da culinária brasileira como da chinesa e das dificuldades que eles encontravam para visitar os parentes que não podiam sair da China e que eles visitavam com regularidade incomum para quem reclamava tanto de dificuldades financeiras.
O tempo passou e de uma hora para a outra o casal deixou de fazer as visitas regulares e desapareceu do bairro com se um buraco o tivesse tragado.
Ninguém sabia dar notícias até o dia em que apareceram na casa dos meus avós uns homens que, depois fiquei sabendo, eram da polícia federal, procurando informações sobre o casal.
Na fotografia do passaporte, a tia Soraia estava vestida com um sobretudo da mesma cor da boina e também todo enfeitado com pérolas, muitas delas descascadas, como qualquer bijuteria barata.
Depois ficamos sabendo que eles eram contrabandistas de pérolas verdadeiras, daquelas que custam uma fortuna e que são produzidas por cultivadores controlados desde a época do império chinês.
Por longos anos o disfarce, quase perfeito, funcionou.
Camufladas em meio à profusão de pérolas que todos imaginavam ser bijuteria, grande parte delas eram verdadeiras para serem vendidas clandestinamente na Europa e nos Estados Unidos.
Nunca mais tivemos notícias de tia Soraia e do sr. Woy...