1105 - O VELÓRIO DO PADRINHO -
O VELORIO DO PADRINHO
Na flor da juventude, Marita era uma jovem extrovertida, alegre e brincalhona. Extremamente emocional, contudo, se entristecia e caia no pranto quando alguma notícia enchia seu coração de tristeza. Em velórios de amigos e parentes, então, era um desastre. Abria a boca como se estivesse pranteando a mãe ou o pai. Abria a boca e vertia lágrimas sem parar.
Entretanto, passava de um estado de bom humor para o de tristeza, ou vice-versa, com maior facilidade, sem sequer um discreto intervalo de tempo. Um fenômeno digno de um estudo psicológico.
Observadora sagaz, notava coisas que a maioria das pessoas não observava. Dona de uma intuição sem par fazia observações incompreensíveis que logo após se tornariam realidade.
Uma tarde, logo após o almoço, falou assim com sua mãe, dona Constância:
— Acho que alguma coisa de ruim aconteceu com o padrinho Carlos.
— Ara, Marita, lá vem você de novo com seus pensamentos esquisitos. Ele tá bem, ainda semana passada tivemos notícias dele, quando seu pai chegou de viagem, vindo de S. Paulo.
Não passou nem uma hora, o telefone tocou, a mãe atendeu e ficou pálida. Logo se recuperou e disse a Marita:
— O Carlos morreu!
— O padrinho?
— Sim, a mulher dele telefonou.
Imediatamente telefonou ao marido, Roberto, funcionário da Caixa, a fim de que saísse do serviço e viesse preparar-se para a viagem a fim de viajarem para Belo Horizonte, para o velório e o enterro de Carlos, que era muito querido na família, e por isso mesmo padrinho de batismo de Marita.
Marita entristeceu-se e já começou a limpar os olhos.
Cada qual preparou sua mala e quando Roberto chegou em minutos tudo estava pronto para viajarem. Colocaram as malas no carro, que sempre estava em ordem, pois Roberto era meticuloso na manutenção do veículo.
Viagem de algumas horas. Chegaram já de noite e foram direto para o Cemitério da Colina. Cansados e afobados adentram-se pela ala dos velórios e procuram pelo de número 4, onde estava sendo velado o Padrinho Carlos.
Pouca gente no velório. Não viram nenhum conhecido, nem a viúva, ou os filhos. Aproximaram-se do caixão. Dona Constância com o terço na mão, nem prestou muita atenção ao defunto. Inicio sua reza de olhos fechados. Marita, com os olhos vermelhos de tanto chorar durante a viagem, postou-se de outro lado. Chorando, colocou a mão no rosto do defunto. Sentiu algo de estranho; contudo manteve a mão sobre o rosto, passando pela testa e calva. Então percebeu.
— Mãe, o padrinho era tão cabeludo e ficou careca de repente?
Dona Constancia nem abriu os olhos para averiguar. Cochichou á filha:
— Chora, minha filha, chora. E reza.
Marita chorou com vontade e rezou algumas ave-marias.
Observando as mãos gordas cruzadas sobre a saliente barriga, cochichou para a mãe:
— Mãe, o padrinho era tão magro, como engordou de repente?
Dona Constancia, concentrada no seu terço, cochichou:
— Chora, Marita, Chora. E Reza.
Intercalando seus soluços com mais uma dezena de ave-marias, olhou ao redor, para as pessoas presente. E cochichou para a mãe:
— Mãe, num tô vendo nenhum conhecido aqui.
— Marita, reza e chora, minha filha.
Mais ave-marias, mais lágrimas e mais soluços à cabeceira do defunto.
Chegou Roberto, que, sem nem mesmo prestar atenção ao defunto, disse:
— Estamos no velório errado. O do Padrinho é ao lado. Vamos prá lá.
Tomou a esposa pelo braço e fez sinal para |Marita sair.
Nos momentos em que percorriam os poucos metros, Marita se deu conta da situação engraça da qual fora protagonista: chorara e orara para um defunto que não conhecia. E sorriu. Que coisa mais estranha. E engraçada.
Ao chegarem ao velório do Padrinho, Marita já não aguentava conter o riso, enquanto cumprimentava a viúva e os filhos do padrinho. E ao chegar à cabeceira do defunto, reconhecendo o padrinho estendido placidamente no leito de flores, levou à boca seu lencinho de seda suavemente perfumado, para abafar sua risada franca que não conseguia segurar.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 23 de março de 2019.
Conto # 1105 da Série INFINITAS HISTÓRIAS.