História do tempo que não volte mais

Antigamente não se podia acordar de supetão e colocar os pés no chão frio de jeitinho nenhum. Caso acontecesse, dava era uma trombose do corpo ficar encricriado e a pessoa com uma banda do corpo morta, sem movimento. Os pés tinham de acertar de cheio as chinelas descansadas do lado da rede, ou da cama, ali guardado o sono do dono, ou dona.

As chinelas nunca podiam ficar emborcadas, se assim ficassem, o dono ou dona delas estavam agourando a morte da mãe e mandando ela diretinho pro inferno, morar com o tinhoso pela eternidade, na quentura. Todo cuidado era pouco, não podia descuidar porque o maligno vivia para atentar.

Pouco era o castigo de quem aparecesse com as duas mãos atracadas na cabeça coçando sem parar, a doutora mãe dava logo o diagnóstico:

__Piolho, só pode ser! Quem manda se enfurnar na casa da vizinha? Sebozeira só dá nisso...

Lá se ia dormir com a cabeça lambuzada de vinagre e um pano amarrado. Caso não desse certo, vamos ao sofrimento do pente fino, depois o óleo de coco e o pente de arraia. A última opção:

__Vamos cortar o mal pela raiz, cortar o cabelo no tronco. Traz aí, menino, a tesoura __ O estrago era feito sem pena, sem dó.

Antigamente ninguém podia chupar manga e beber leite não, era um veneno mortal, era teimar e cair teso no chão, pronto para ser enterrado. Manga com leite era a coisa mais mortal que existia na face da terra, e não foi criação de Deus não.

Segundo os mais velhos, era uma coisa da moléstia, de muito tempo, ensinado desde do tempo que o mundo tinha esquina e que o vento fazia a curva assobiando, em cima de uma carroça puxada por um boi, com a roda quadrada. Pra você ver de onde vem essa história.

Moléstia mesmo era ranger os dentes e sentir uma coceira sem tamanho lá no oi da goiabeira, o comichão já era diagnosticado pela doutora de plantão:

__É verme! Se não for, eu grele, morra engasgada com meu cuspe, meus olhos não fechem, nem minhas mãos se cruzem. Quero morrer feito pagã.

Mas não grelava, não engasgava e ainda tirava a prova dos nove, entupia o filho do chá da pepaconha adormecido no sereno, mais amargo que a gota serena. Acordava o bruguelo com o canto do galo, os olhos todos arremelados e em pouco tempo só se via o estiram de lombriga pelo meio do terreiro, parecia um festival, ou invasão das malditas.

No meio do terreiro não podia correr com os pés descalços quando o peito apitasse não, a tosse vinha sem freio e, pelo rabo do olho, a voz inconfundível:

__ Tá mastigando tutano é bichinho?

Mas quem traía mesmo era o nariz, quando o danado mudava de cor, brilhava de tanto catarro esverdeado entre ele e a boca, o olho clínico enxergava a lambida de língua dada assim pra cima, não tinha jeito, antes do diagnóstico, o remédio já estava pronto:

__ Vou já fazer um mastruz com leite todos os dias pela manhã pra tomar antes do banho.

O Banho, só do pescoço para baixo, não podia molhar a cabeça, e no resto do dia muito lambedor de malva, mel com limão e suco de laranja.

Calma que ainda tem mais, não acabou não, pois quando a tosse ia embora, ficava o cristão amarelado, os olhos sem cor, a anemia ali estava, precisava do suco de beterraba para recompor o sangue e da sopa de verdura. A penitência era dura e ninguém escapava das promessas.

De sangue fervendo, a mãe gritava:

__Infeliz, se tomou café quente, não pode água gelada!

Segundo os mais experientes, isso fazia com que a pessoa ficasse com a boca torta, ou olhos revirados e não servia mais pra nada. Pra nada era mesmo se deitar sem pedir a bênção, a pessoa tinha assinado a sentença de ser visitado pelo coisa ruim. Nessa noite, pegue a sonhar com miséria, tome a ter pesadelo, acordar com medo, ou todo mijado.

Antigamente ninguém podia passar por cima das pernas do outro, isso fazia com que o crescimento fosse impedido, quem assim procedesse, tinha que "despassar".

Ferida? Era curada com óleo de coco; garganta inflamada, com a banha do Tejo; para asma, o melhor era siri sem sal, ou chá da bosta do cachorro...Quando o homem estava com papeira não podia pular porque descia para os possuídos, e na mulher, para os peitos. Caso tivesse de catapora, ficava enfurnado dentro de casa e se fosse sarampo, tinha de ser isolado, assim também era com a pneumonia, a tuberculose e a coqueluche.

Antigamente, quando se abria a boca demais, a pessoa estava com quebranto, olho gordo, precisando de cura, a vida era dura, igual a rapadura, também era doce, tinha suas molezas, se a pessoa errava, podia pedir desculpas, poderia até ficar mal, cortar o dedo, mas só até passar o vendedor de pirolito de açúcar e limão, todos davam as mãos e iam se lambuzar na algazarra.

Antigamente não se compra como se comprava leite, mas para o nosso deleite, existem as histórias que podem ser contadas.

Contei por aqui, acabei de contar. Vou contar mais ali, vou ali e volto já!

Se gostou, bata palma, se não gostou, passe a língua no catarro escorrido pra limpar!

Marcus Vinicius