RÚBIA
Quando me acabaram as palavras, era quase meio dia, de sol a pino.
Ao longe, lavadeiras estendiam roupas coloridas sobre as pedras úmidas, ao sabor da brisa morna. O sol acentuava cores e se deitava ao saber do canto ritmado das mulheres. O cheiro de sabão preto me invadia, regando-me a memória comovida. Uma vara de marmelo a um canto refreava os ímpetos dos meninos brincando nos poços que ladeavam as pedras convertidas em jirau.
_ Rúbia, bate bem essas rôpa, aí!
_ Rúbia, troce bem pra mode
O sabão saí tudinho, minina!
Dona Quirina, brava que só, chegara por ali com sua família cigana. Estava grávida de Rúbia e o parto se complicara... Sem chance de prosseguir com a família, foi deixada ali, quase morta, com a filha nos braços. Ao seu lado, a parteira Esmeralda, para esperar ela morrer. Mas não morrera. Nem Rúbia, apesar de ter nascido prematura e mirradinha.
Foram quase dois anos de sofrimento para se convalescer. Dois anos que muito contribuíram na quebra do preconceito daquela vila pequena que vivia do que a terra dava.
Quirina, hoje, era uma das lavadeiras mais afamadas. Braços firmes, apressada e caprichosa, era ela quem mais tinha clientes entre os trabalhadores da firma de minério que se instalara ali pertinho. Passar roupas era com ela também!
Rúbia, com 15 anos, aprendia com a mãe o ofício... e aprendia bem, conforme sua capacidade física permitia. A mãe deixava para ela as roupas mais leves e menos sujas, porque os bracinhos ainda finos, ainda infantis, não tinham o vigor necessário para se aventurar em outras peças mais pesadas.
De onde eu estava, via as lavadeiras encumbucadas sobre as bacias.
Incrível como se davam ao trabalho de mesmices de sempre.
Incrível como Rúbia deixava de ser a criança de sempre.
Dei de ombros, fechei a janela de madeira da escola, dei uma última olhada nas carteiras enfileiradas e fui recompor meu juízo no quartinho de pensão; o mesmo de sempre, desde que fui para aquele vilarejo.
Rúbia ficou lá, lavando roupas, torcendo roupas, enxaguando roupas, secando roupas.
Rúbia estava crescendo...