AS JABUTICABAS DO SENHOR REITOR.

O Brasil tinha sido tricampeão mundial recentemente. O novo reitor do seminário diocesano estava encantado pelo preparo físico de Carlos Alberto, Brito, Clodoaldo, Rivelino, Gerson, Pelé e companhia. Pudera, a seleção de 1970 primava pelo vigor físico debaixo do sol vertiginoso do México. Padre Belarmino era um fanático por futebol. Tinha só 25 anos quando o bispo, dom Emengardo o presenteou com a reitoria de nosso seminário. Foi uma bomba pois o jovem sacerdote era recém ordenado. Não tinha ainda experiência em paróquia. A velha guarda do clero não gostou muito da idéia. Era uma ousadia. -" Não vai durar um ano na reitoria! Não é fácil cuidar de setenta internos!!!!" Disse, jogando praga, o monsenhor Celso Cantareira, de setenta janeiros. Nós, seminaristas do curso de filosofia, vibramos com a escolha de um reitor jovem. Ventos de mudanças. O velho padre Eustáquio, que ocupara o cargo de reitor por quatro anos, era um capitão do mato sempre vigilante e austero. Tudo era proibido, inclusive ver novelas e sair após as vinte horas. As expulsões de seminaristas eram frequentes. Alguns saíam de livre escolha. Eram muitas matérias escolares. Estudávamos seis línguas: português, espanhol, francês, inglês, grego e latim. Aulas de teatro, música e oratória. Esperávamos novos tempos e mais liberdade com o jovem reitor. Esperamos sentados pois a realidade foi bem diferente. Confesso que tive saudades do antigo reitor. Padre Belarmino reduziu nosso horário de futebol. Antes tínhamos duas horas às quartas feiras. O couro comia no campo de grama, cercado por figueiras, das quatro às seis da tarde. Teríamos agora só uma hora pra jogar. A outra hora seria dedicada às aulas de educação física. Todos correndo em volta do campo. -"Quero vocês todos em forma!!! Estão obesos e sedentários!!!" Repetia o jovem reitor, caindo no meu conceito. Não bastasse isso, ainda mudou o cardápio da cozinha incluindo legumes, frutas e grãos. A tradicional polenta com frango, antes quase diária, daria o ar de sua graça apenas às sextas feiras. Um sacrilégio. A lasanha dominical foi substituída por charutos de repolho. O jovem reitor implantou um sistema de rodízio nos trabalhos da casa. Eu, acostumado ao suado ofício de cuidar da biblioteca, onde eu passava as duas horas de trabalho tirando uma soneca, teria agora de fazer outras tarefas como cuidar de canteiros de cenouras e estercos na horta, podar o jardim, lavar as latrinas e dar banho nos cachorros. Nada apetecível. As missões pastorais ocupavam o nosso tempo nos finais de semana. O jovem reitor nos enchia de tarefas durante a semana. A menina dos olhos do reitor eram os dois pés de jabuticaba que haviam ao lado da lavanderia. Ele, quando ainda era seminárista menor, há uns dez anos, plantara as jabuticabeiras alí. Padre Cirineu, seu diretor espiritual, buscara as mudas de jabuticabeiras em Campinas, numa viagem de duas horas no seu fusquinha verde. Os frutos estavam nascendo. Parecia até que as jabuticabeiras sentiram a presença do novo reitor pois preparavam uma carga sem igual. Coisa linda de se ver. Vez ou outra eu presenciei o padre cruzando o campo de futebol, a horta e indo visitar as suas diletas jabuticabeiras. Até conversava com elas. Tudo bem falar consigo mesmo pois eu fazia isso mas falar com pé de fruta é hilário. O que ele não sabia é que não era o único que amava jabuticabas. O reitor tirou até fotos das jabuticabeiras carregadinhas. Uma belezura!!! Nunca tínhamos visto o novo reitor tão feliz. Dias depois, ao voltarmos das aulas matinais na faculdade, o reitor anunciou a triste notícia. Ao final do sermão da missa das doze horas, disse cabisbaixo e choroso. -" Filhos. Infelizmente, coisas estranhas aconteceram!! Rapelaram os pés de jabuticabas. Minhas duas meninas estão peladinhas!!! Que dó!!!" O padre Aguiar o consolou. -" Infelizmente, colheram as jabuticabas. Não deixaram nenhuma!!! " Alguns alunos riam. Outros ficaram tristes. Ronaldo, o puxa saco número um, se intrometeu. -" Traquinagem.... Molecada, reitor. Sempre pulam os muros do seminário!!!!" Confesso que tive dó do novo reitor. Deu um certo arrependimento de ter colhido as jabuticabas, as duas da madrugada, com o Hamilton, o Bruno Geléia, o Odair, o Silvano, o Marcelinho, o Paulo Renato e o Nepomuceno!!! Cada um com uma sacolinha cheia. Cada um de nós tinha um garrafão de cinco litros, escondido no quarto, debaixo da cama. Era tradição. Nossa tradição de anos. Nosso segredo. As jabuticabas curtiriam no garrafão com cachaça e açúcar, por semanas. Um licor dos deuses. Licor de jabuticaba. Uma iguaria sem igual. Era uma romaria, dos amigos mais chegados, em nossos quartos, pra darem uma beiçada no licor. Um aperitivo delicioso antes do jantar. Santas e benditas jabuticabas!!! F I M

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 28/04/2019
Reeditado em 28/04/2019
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