Casos do Picolé------------------------As fases da vida

Quando se tem uma certa idade, as pessoas se tornam um tanto quanto ranzinzas e cheias de dengos e defeitos. Ficam sombrias e com vontades que nem sempre podem ser realizadas. Ficam cheias de dores, de desejos e sempre estão querendo fazer o que não dá mais, ou seja, a cabeça é de espírito jovem, atuante, dinâmica, mas o corpo não a acompanha, tem limitação pra tudo, não tem força, não tem destreza, nem pique pra nada.

Para quem nasceu na década de 40, no século passado, todas as transformações do mundo foram assistidas de camarote. Nós vivemos essas transformações. Vou citar algumas das mudanças que foram acontecendo ao longo desses setenta e tantos anos.

Quando nasci, de parto normal, obviamente, pois o máximo que tinha na época eram as benditas parteiras, que muitas vezes iam até as casas das parturientes a pé, de charretes ou a cavalo. As vezes chegavam um dia ou dois antes da hora do parto, mas muitas vezes, quando chegavam, a criança já tinha nascido. Aí as mães já tinham feito o parto praticamente sozinhas ou com a ajuda das avós.

Depois que a criança chegava, um verdadeiro milagre de Deus, as mães e principalmente as avós e tias ajudavam a cuidar do bebê. O coitado era enfaixado, ficando só a cabeça de fora, fraldas de pano, e peito da mamãe. Assim ia até os seis meses, dos quais até quarenta dias, dentro do quarto, mãe e filho.

Depois da quarentena, a mamãe e o filhote começavam a sair do quarto, mas não da casa e assim ia mais uns seis longos meses. O bebê sempre enfaixado parecendo um charuto, era pra ficar com a coluna e as pernas perfeitas. Os olhos ninguém sabia a cor, pois sair na claridade era prejudicial à visão. Os varais cheios de fraldas, ah quando chovia!

Bem, sempre com a Graça de Deus, quando passava os seis primeiros meses, tirava-se as faixas aos poucos, a torcida para que tudo estava nos conformes, pernas aprumadas, movimentos normais, os olhos, ah são verdes.

Aí ia-se desenvolvendo, as papinhas, o leite da vaca fervido, ovos dali do quintal, verduras da horta; tudo o mais natural possível. Médico pediatra ( o que é isso? ), vacinas, quase nenhuma, remédio pronto jamais. Curava-se as dores que as vezes apareciam, com chás disso e daquilo, colhidos ali mesmo. Quando chorava um pouco mais do normal, a avó levava para benzer lá na fulana. Era tiro e queda!

O tempo andava muito devagar, começava o ano, pra chegar no final, era uma eternidade. Tudo tinha o seu tempo, as conduções eram todas puxadas por animais. Os carros de boi para trazer a lenha para o fogão. Transportavam as colheitas de arroz, de feijão, milho, café, abóbora, mandioca, etc. A locomoção era feita à cavalo, charretes, carroças e no máximo bicicletas.

As crianças brincavam de pega-pega, de pião, bolinha de gude, jogar bola, cabra-cega, passa anel, esconde -esconde, caçar de estilingue, caçar de gaiola, pescar no riozinho, nadar nos pocinhos mais fundos, tudo com muito tempo. Não preciso nem dizer que morávamos na fazenda. Quanta saudade, aquilo era um pedaço do Paraíso.

Mas a gente cresce, aí começam os problemas, alguns afazeres como, tratar os porcos, as galinhas, regar a horta, trazer lenha para o fogão, escolher o feijão, buscar o leite no curral. É, já está na época de ir pra escola. Agora tem que ficar a semana na casa da vovó e vem pra fazenda só no sábado. Nova vida, novos amigos, novas brincadeiras, que respeito para com a primeira professora, no meu caso Dna Laís. Me ensinou com muita paciência, pois além de ter convivido com muito pouca gente, tinha vergonha de tudo. Mas tudo vai se adaptando, tudo muda, pra chegar no final do ano demorou pra daná.

Novo ano, nova professora, dna Lídia, gostava tanto de mim que fiquei dois anos com ela. Aí já mais esperto na medida do possível, jogava bola, bolinha de gude e todas as brincadeiras da época. Quando chegava os sábados, que maravilha, ia pra fazenda, já andava à cavalo, nas férias então, levantava de madrugada junto com meu pai, íamos recolher os bois para os carreiros atrelarem nas cangas, uns iam arar a terra, outros carregavam os carros com esterco para o cafezal. Os leiteiros estavam quase terminando a ordenha, mas ainda dava tempo de tomar aquele leite tirado direto da vaca, que delícia.

Mais uma etapa se começa, precisa ir pra cidade, para o terceiro ano, melhor ir para o Joaquim Ribeiro, famosa Escola Estadual da época. No começo ficava hospedado na casa da tia Alaíde e tio Augusto, que não tinham filhos. A adaptação não foi fácil, tudo muito difícil, já não era só uma professora, estudar e estudar. Os colegas estranhos, com hábitos diferentes e eu, caipirinha da roça. Mas aos trancos e barrancos terminei o quarto ano também. Pra entrar no Ginásio, tinha que fazer um tal de curso preparatório, nas férias. Entrei para o Primeiro ano do Ginásio, muitas matérias, muitos professores, aulas de música, latim, francês, inglês, português, matemática, geografia, história, história geral, educação física, que mudança! Cantava-se o Hino Nacional todas as Segundas Feiras, no Sete de Setembro, desfile de todas as escolas da Cidade em fila, todos uniformizados: calça de brim cáqui e camisa bege, gravata, meia e sapatos pretos, engraxados. Na camisa o JR bem bordados na manga. O primeiro ano foi bem, passei de ano. O segundo já precisei fazer em dois anos. Já o terceiro estava muito difícil, foi um ano, dois, repeti novamente.

Nova fase, saí da casa dos meus tios, saí do Joaquim Ribeiro e me transferi para o Ginásio Alem. Aí viajava para Ajapi no trenzinho à fogo todos os dias. Era só alegria, todos os amigos juntos, na mesma escola, nas mesmas viagens, tirei o terceiro e quarto ano de letra, maravilha, terminei o Ginásio. Tempo de se alistar para servir o Exército Brasileiro. Fui convocado para servir em Corumbá, na época MT.

Aí começa a história do IZIP.

Luiz Antonio Piccoli
Enviado por Luiz Antonio Piccoli em 15/04/2019
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